21/06/2024
por Mauricio Orth
A decisão então foi pesquisar sobre este drama, o que gerou
conteúdo para uma série de reportagens sobre o assunto:
Como tudo começou
Entregue pela Dersa em
2002, o trecho oeste do Rodoanel, como sabemos, atravessa o município de Cotia.
Para construí-lo, foram necessárias desapropriações, desmatamento e
intervenções. Como compensação, a Dersa planejou retribuir Cotia com uma
unidade de Conservação ambiental. Assim, a ideia de um parque surge em 2001 e
toma forma através do termo de compromisso celebrado em 09 de abril de 2002
entre a DERSA e a prefeitura de Cotia.
O objeto da compensação ambiental para Cotia então foi o “Parque
das Nascentes", ganhando este nome por conter e proteger as cabeceiras do
Córrego de Carapicuíba.
Recebida oficialmente por Cotia em 05 de junho de 2009, a
área que compõe o Parque das Nascentes abrange quase 170 mil metros quadrados e era recoberto
por remanescente de Floresta Ombrófila Densa do Bioma Mata Atlântica.
A palavra ombrófila tem origem grega e
significa "amigo das chuvas", o mesmo que pluvial de origem
latina, e caracteriza uma formação vegetal cujo desenvolvimento depende de
regime de águas pluviais abundantes e constantes.
Falando em água, na área onde se encontra o parque foram
contabilizadas treze nascentes e seus respectivos cursos d’água, o que
justifica seu título de Área de Preservação Permanente-APP.
Para cuidar do bem, Cotia também
recebeu da DERSA um plano de manejo e um repasse no valor de trezentos mil
reais da época para executar as obras de
infraestruturas de apoio, substituindo uma cerca de mourões na Estrada do DAE, (limite
sul do Parque) na divisa do Município de Embu, para implantar a casa do caseiro,
um posto policial e um quiosque. Iniciadas, essas obras nunca terminaram.
Eram obrigações contratuais do município:
“Receber oficialmente e compatibilizar o Plano de Manejo do parque das Nascentes na administração de Parques do Município a partir deste Convênio, definindo a forma e o tipo de utilização;"
Parque das Correntes
Cobiçada por invasores, esta área tem um histórico de inúmeros
atos de desmatamento. Até 2018 eles eram pontuais, porém de 2019 a 2021, o
desmatamento se intensificou drasticamente, conforme as imagens da matéria. A
Secretaria do Meio Ambiente e Agropecuária – SMAA, verificou em 02/2019
indícios da prática conhecida como “correntão”, um método de desmatamento de
toda a floresta de uma só vez, extremamente agressivo, sobretudo por não
permitir o afugentamento da fauna, resultando em alta mortandade de animais.
Recebendo essas diversa denúncias, o Ministério Público
começa a constatar uma certa organização no desmatamento. Aqui o texto de uma
denúncia recebida pelo MP:
“A mata atlântica
entre Rodoanel, Vista Alegre, Embu, Gramado em Cotia e Engenho está sendo
queimada e arrancada por máquinas enormes, fazendo ruas largas, mais de 50, tem
até olheiro que assusta os moradores e fala que se atrapalhar irá ver o quanto
dói. Ninguém “fais” nada, nem policia, nem prefeito ets. O ano passado saiu na
globo e não adiantou nadinha é tudo bandido. Tem vendedor de terreno é só ir lá
no sábado e domingo pra ver. De noite metem fogo e as pessoa nem respira. O
povo passou pra nois as folha que pode ser olhada com essa carta. Ajuda tem
bicho morto e passaro .”
Em 23 de julho de 2021, a então Promotora de Justiça do Ministério
público de Cotia, Marília Molina Schlittler, decide abrir uma Ação Civil
Pública Ambiental contra o município de Cotia. O Ministério Público do Estado a
acata imediatamente, instaurando um inquérito civil.
A Ação pedia a demolição das construções existentes com
concessão de alternativa habitacional ou de aluguel social para as pessoas que
lá se encontram, garantindo-se, assim, o direito à moradia, seguida da remoção
dos resíduos resultantes e de sua destinação adequada, conforme legislação de
deposição de resíduos sólidos.
A Ação também pedia a interdição efetiva, com isolamento do local e instalação de placas informando sobre as proibições incidentes, além de realização de fiscalização periódica, respaldada no exercício do poder de polícia, impedindo novas construções e obras irregulares, por meio da apreensão dos instrumentos, materiais de construção, equipamentos, maquinários, ferramentas etc.
O Ministério Público também requereu a reparação do dano
moral coletivo, um valor a ser decidido pelo juiz em favor do Fundo Estadual de
Prevenção e Controle da Poluição – FECOP.
Acompanhando o processo, o Relatório da CAEX chegou à
conclusão de que “O Valor Geral de
Vendas (VGV) levantado, isto é, a receita potencialmente gerada pelo
loteamento, foi de 127 milhões de reais.”
Por lei, o Parque deveria também integrar o Sistema Nacional
de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, instituído pela Lei Federal nº
9.985/2000, que estabelece critérios e normas para a criação, implantação e
gestão das unidades de conservação. Até aquela época, o Município não havia expedido
decreto de criação para a UC do Parque das Nascentes. Também não foi encontrado
o Plano de Manejo da Unidade, embora a Dersa tenha informado que o documento
foi elaborado e entregue.
A Ação então concluía que a área em questão ao decorrer dos
anos estava sendo invadida e que devido a estas ações antrópicas (crimes
ambientais), a flora e fauna do local foram severamente comprometidas conforme
dados do DataGEO.
Saiba na próxima semana como o município de Cotia se defendeu, o que foi acordado desta ação e de todos os desdobramentos que fazem parte desta história que ainda não terminou. O desmatamento, segundo as denúncias recebidas recentemente, continua. Não só na área do Parque, mas em toda a vizinhança.