14/03/2024
por Mauricio Orth
Em janeiro, o Site da Granja publicou uma matéria sobre o embargo da obra do condomínio “Ekko Live 02”, situado na Av. São Camilo,733. A matéria terminava assim:
“O processo tem se arrastado desde então. (...) Os compradores esperam, os vizinhos se enlameiam e os riscos de uma catástrofe de grandes proporções aumenta. De quem é a responsabilidade agora?”
Em 27 de fevereiro deste ano, tivemos pelo menos parte dessa pergunta respondida na publicação do parecer técnico n° 12698485 emitido pelo CAEx:
“Este parecer técnico atende solicitação da Promotoria de Justiça de Cotia, referente à apuração de notícia sobre uso de licença inválida para supressão de vegetação nativa (fragmento florestal) correspondente a 1,5 hectare na Av. São Camilo 733, por EKKO GROUP INCORPORAÇÕES E PARTICIPAÇÕES SA, constatada pelo IBAMA”
O que é o CAEx?
O CAEx (Centro de Apoio à Execução) é um órgão auxiliar da atividade do Ministério Público. Ele conta com profissionais peritos e formados em diversas áreas para fundamentar a atuação do promotor de Justiça em assuntos além do Direito. Por meio de estudos, vistorias, apontamentos, pesquisas, relatórios, análises e perícias técnicas, o setor agiliza a prestação de serviços de apoio destinados aos membros do MPSP. O CAEx é portanto, o responsável pelo apoio técnico-científico que fundamenta as resoluções do MP.
O parecer do CAEx
O parecer tem 16 páginas e é de fácil interpretação. O Site da Granja teve acesso ao documento e separou aqui alguns trechos:
“A análise das imagens de satélite anteriores às intervenções corrobora as considerações feitas pelo IBAMA quando da lavratura do Auto de Infração que motivou este procedimento. Conforme se constata pela simples observação, a área objeto era recoberta por um maciço florestal, e não por árvores isoladas. Essa constatação é confirmada pelo Inventário Florestal dos anos de 2010 e de 2020, consultado pela plataforma DataGEO, da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo. Tanto o Inventário de 2010 quanto o de 2020 registram remanescente de Vegetação Secundária de Floresta Ombrófila Densa do Bioma Mata Atlântica cobrindo a área.
Adicionalmente, como bem destacado pelo IBAMA, a situação constatada nas imagens de satélite não se enquadra no conceito de árvores isoladas trazido pela Lei Municipal nº 1989/2017 de Cotia, que rege o tema.”
O que é “Inventário Florestal"?
O Inventário Florestal consiste na coleta de dados de campo, incluindo a medição de árvores, a coleta de amostras botânicas e de solo, e também entrevistas com pessoas que utilizam as florestas no seu dia a dia. Uma espécie de censo das árvores.
O parecer também se baseia na CETESB. Aqui vão definições da CETESB sobre o que são considerados exemplares arbóreos nativos isolados:
“Aqueles situados fora de fisionomias vegetais nativas, sejam florestais ou de Cerrado, cujas copas ou partes aéreas não estejam em contato entre si.”
Posteriormente, A CETESB adotou outra definição:
“São consideradas árvores nativas isoladas espécies com diâmetro à altura do peito (DAP) igual ou superior a 5 (cinco) centímetros localizados fora de fisionomias legalmente protegidas nos termos da Lei Federal nº 11.428, de 22 de dezembro de 2006, e da Lei Estadual nº 13.550, de 02 de junho de 2009.”
Pois bem: Em sua defesa, a Ekko considerou esta segunda definição da CETESB como vigente e assim assumiu ter feito o corte, alegando que as árvores nativas ainda eram pequenas. Só que esta definição só foi adotada depois da autorização. A prefeitura autorizou o desmate em 09/03/2021 e esta alteração normativa começou a valer em 30/06/2021.
Sobre isso, o parecer é categórico:
“Contrariamente ao que foi alegado pela Defesa, o CAEx destaca que a citada alteração normativa é de 30/06/2021, portanto posterior à autorização emitida para a supressão no imóvel e ao próprio corte arbóreo executado no terreno. Não restam dúvidas, portanto, de que a supressão vegetal foi executada de maneira irregular e de que a própria autorização não poderia ter sido emitida da forma como o foi.”
O documento ainda relata que “não consta no processo administrativo o parecer técnico que motivou a emissão da autorização de supressão emitida pela Prefeitura de Cotia. A referida autorização foi assinada apenas pelo Secretário Municipal do Verde e do Meio Ambiente, sem participação do corpo técnico do órgão.”
Depois o texto discorre sobre as compensações ambientais:
“Sobre a doação de 4.039 mudas de espécies nativas ao Viveiro Municipal, convém realçar que a mera doação de mudas ao Viveiro não proporciona ganhos ambientais efetivos para fazer frente à perda de extensa área verde do Município.”
O que o parecer diz sobre o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV)
“Vale salientar que o EIV apresentado não reúne o conteúdo mínimo necessário para instruir o processo de licenciamento do projeto. O EIV analisado apresenta diversas informações que não estão lastreadas por documentos comprobatórios.”
“O EIV afirma que o atendimento à saúde e à educação, redes de energia elétrica e de saneamento básico existentes serão suficientes para o suporte da demanda gerada pelo empreendimento. Não constam no EIV as fontes consultadas para a obtenção de tais informações. Adicionalmente, as informações relatadas no estudo são genéricas e superficiais.”
"É importante salientar que o EIV padece de particular deficiência no que se refere à avaliação dos impactos sobre a paisagem urbana, o microclima, o uso e a ocupação do solo e qualidade ambiental da área objeto. (...) Por fim, apenas aspectos positivos do empreendimento foram mencionados na conclusão do EIV, ao passo que os impactos negativos foram completamente desconsiderados.”
A conclusão do parecer:
“A análise da documentação disponibilizada evidenciou que a supressão da vegetação que recobria o terreno foi executada de maneira irregular e que a Autorização nº 034/2021, que amparou a intervenção, não poderia ter sido emitida pela Prefeitura de Cotia.”
“Por fim, destaca-se que a análise do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) do empreendimento evidenciou a completa inaptidão do estudo para instruir a tomada de decisão dos órgãos licenciadores acerca da viabilidade do projeto."
O Parecer é assinado por Thaís De Oliveira Fontes Mansur, Analista Técnico Científico e Engenheira Florestal do CAEx- MPSP.
Futuro
Uma das hipóteses futuras é de que o processo provocado pelo Ibama desemboque em uma ação civil pública, um instrumento jurídico destinado à defesa de interesses difusos e coletivos como os relacionados ao meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, entre outros. A Ação Civil Pública é importante na correção de desequilíbrios e na construção de um ambiente mais justo.
O Site da Granja ficará atento aos desdobramentos.