03/08/2023
A boa notícia
A boa notícia é que por unanimidade dos votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional o uso da tese da legítima defesa da honra em crimes de feminicídio ou de agressão contra mulheres.
Princípios violados
A tese da “legítima defesa da honra” era utilizada em casos de feminicídio ou agressões contra mulher para justificar o comportamento do acusado. O argumento era de que o assassinato ou a agressão eram aceitáveis quando a conduta da vítima supostamente ferisse a honra do agressor.
O STF julgou pela procedência integral do pedido apresentado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) na ação, afirmando que a tese contraria os princípios constitucionais da dignidade humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero.
Assim, qualquer menção no Código Penal e no Código de Processo Penal sobre a matéria deve ser excluída.
Por consequência, a defesa, a acusação, a autoridade policial e o Juízo não podem utilizar qualquer referência à tese, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.
O Tribunal considerou ainda que, se invocarem a tese com a intenção de gerar nulidade, os advogados não poderão pedir novo julgamento do Júri.
Rompimento com valores arcaicos
Ao fazer um apanhado da legislação sobre o tema, a Ministra Cármen Lúcia observou que a tese da legítima defesa da honra é mais do que uma questão jurídica: é uma questão de humanidade.
“A sociedade ainda hoje é machista, sexista, misógina e mata mulheres apenas porque elas querem ser donas de suas vidas”,
afirmou.
A má notícia
Ela tem razão. Todas as estatísticas que medem a violência contra a mulher cresceram no último ano.
O Anuário 2023 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), ONG apartidária integrada por pesquisadores, cientistas sociais, gestores públicos, policiais federais, civis e militares, operadores da justiça e profissionais de entidades da sociedade civil é estarrecedor.
O Fórum se dedica a uma cooperação técnica na área da segurança pública e procura dar transparência às informações sobre violência e políticas de segurança.
Em comparação com as pesquisas anteriores, todas as formas de violência contra a mulher apresentaram crescimento acentuado no último ano.
Agressões físicas, ofensas sexuais e abusos psicológicos se tornaram ainda mais frequentes na vida das brasileiras.
O que causou?
Segundo o Relatório, alguns fatores podem ser destacados.
O primeiro tem relação com o desfinanciamento das políticas de enfrentamento à violência contra a mulher por parte do Governo Federal nos últimos quatro anos. Nota técnica do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostrou que 2022 foi o ano com menor orçamento para o enfrentamento da violência contra mulheres em uma década.
A pandemia, por sua vez, comprometeu o funcionamento de serviços de acolhimento às mulheres em situação de violência. A restrição nos horários de funcionamento impostas pelas necessárias medidas de isolamento social e a redução das equipes de atendimento foram fatores que afetaram em algum grau os serviços de saúde, assistência social, segurança e acesso à justiça em todo o país.
Um terceiro ponto a ser destacado tem relação com a ação política de movimentos ultraconservadores que se intensificaram na última década e elegeram, dentre outros temas, a igualdade de gênero como um tema a ser combatido.
A violência que atinge meninas e mulheres tem como raiz os diferentes valores culturais dados a mulheres e homens. É a desigualdade de gênero , consolidada ao longo de centenas de anos, a principal força a ser combatida: Ela produz relações violentas através de comportamentos que induzem as mulheres à submissão.