11/10/2011
Nos últimos dois anos, Marcos Martinelli, 32, contabilizou oito queimadas nos arredores de casa. Três delas, segundo ele, gravíssimas.
A cada novo período de seca, labaredas e fumaça comprometem o sonho do vendedor de morar numa bela casa, cercado de verde, bichos e nascentes, em um condomínio na Granja Viana, em Cotia (Grande São Paulo).
A última queimada de proporções maiores calcinou, em 17 de setembro, um hectare ao redor do condomínio Colinas de São Fernando, na na altura do km 28 da rodovia Raposo Tavares. "O fogo destruiu a área de preservação", lamenta Martinelli.
O incêndio começou no sítio vizinho. O proprietário Roberto Rodrigues, 49, queimou a sobra do corte de árvores no fundo do terreno. "Fizemos uma clareira, botamos fogo, mas bateu um vento forte e perdemos o controle", relata.
Denunciado pela prática, ele foi multado em R$ 9.000 pela polícia ambiental. "Vou recorrer. A natureza, infelizmente, não nos ajudou", diz.
Ele teve que ajudar os vizinhos a debelar as chamas que ameaçavam a casa da empresária Amanda Simões, 29. "Queimar entulhos é uma atitude muito irresponsável", critica ela, que viu as chamas invadirem seu quintal.
A situação foi ainda mais dramática pelo fato de o Corpo de Bombeiros não ter respondido ao chamados insistentes.
"Desculpe-me, mas a senhora não tem cadastro", foi a resposta que Amanda diz ter ouvido ao relatar o caso.
"Começamos a ligar ao meio-dia e nada. Combatemos o fogo durante quatro horas e meia", relata a síndica Patrícia Rabello. "Um bombeiro ligou de volta às 18h. Não tinha mais nada a fazer."
Uma brigada de combate foi improvisada. Moradores e funcionários usaram mangueiras, baldes e até água das piscinas. Consumiram os 120 mil litros dos dois reservatórios do condomínio. Para normalizar o fornecimento de água, compraram oito carros-pipa ao custo de R$ 300 cada um.
"Grande parte dos incêndios são criminosos, pois ainda limpam terreno com fogo", diz Rubens do Amaral Gurgel, secretário do Meio Ambiente de Cotia. A ocupação desordenada de uma região que é um dos cinturões verdes de São Paulo também contribui.
"Parecia cena de fim do mundo", diz Rita Lee
Moradora de um condomínio na Granja Viana, a cantora Rita Lee comprou a briga contra as queimadas na região pelo Twitter. Por e-mail, ela relatou à Folha a situação, crítica desde junho.
Folha - Como se sente ao ver queimadas tão perto?
RITA LEE - Fiquei preocupada quando vi o fogo descontrolado, o crepitar cada vez mais perto. Moro em frente a uma reserva. A fumaça era tanta que não se respirava sem tossir. As aves buscavam refúgio, muitas machucadas. Parecia cena de fim do mundo de Hollywood.
O que mais a chocou no episódio ocorrido em junho?
Foi uma sordidez, uma maldade até hoje sem qualquer punição. As autoridades e quem põe fogo na mata são cúmplices no crime.
Ainda é preocupante?
Semana passada tascaram fogo no mesmo lugar, e nós, mais uma vez, impotentes. A vontade que dá é pegar uma espingarda de chumbinho e fazer uns estragos. Incêndios acontecem aos montes. O mais preocupante é a destruição descarada das reservas, tudo na base do incêndio e dinamite. Loteiam áreas tombadas na cara dura. Não há fiscalização.
Outro lado: "Demanda é grande", afirma a corporação
O major do 18º Grupamento de Bombeiros, Eduardo Nocetti, diz que a demanda é excessiva para a quantidade de destacamentos de bombeiros na região. Segundo ele, somente no dia 17 de setembro, quando os moradores do condomínio Colinas de São Fernando acionaram sem sucesso a corporação, foram registrados outras quatro grandes ocorrências na área.
Segundo o major, os casos caem todos numa central, a do telefone 193. "Se o call center não passar a chamada para nós da área, não sabemos da ocorrência", afirma, sobre o caso.
Ele conta que somente no mês de setembro, o Corpo de Bombeiros registrou 78 queimadas na região metropolitana oeste. O fogo destruiu 544 hectares de uma área cuidada pelo 18º grupamento, que atende, além de Cotia, as cidades de Barueri, Osasco, Cajamar e Itapecerica da Serra. "Esse é o período mais crítico, quando temos a operação Mata Fogo."
De junho até o início de outubro, o número de ocorrência chegou a 206, totalizando 649 hectares.
A polícia ambiental fez uma fiscalização na área após o incêndio próximo ao condomínio. Segundo o capitão Carlos Moreira, houve dois crimes ambientais: supressão de vegetação nativa no sítio e destruição de um hectare em área de preservação permanente.
Fonte: Eliane Trindade/Folha de S.Paulo