17/08/2023
Talvez eu não agrade a maioria dos leitores com a minha posição, porém, quanto mais tempo de vida se tem, mais se compreende que os pensamentos, embora possam ser complexos, jamais terão o entendimento suficiente para abarcar a grandiosa experiência humana e muito menos explicá-la. Portanto, não esperem de mim falar qualquer coisa diferente do que todos já saibam. Não tenho uma fórmula perfeita e matemática sobre o bom relacionar-se. Mas posso elencar alguns indícios que poderão lhes auxiliar a encontrar um caminho único e especial para um relacionamento saudável primeiro conosco mesmos e, como consequência, com as outras pessoas. Na vida não existe caminho fácil, principalmente para o autoconhecimento e para estabelecer relacionamentos saudáveis.
Como psicoterapeuta de casais e de família, há alguns anos venho acompanhando e evolução e o desenvolvimento dos relacionamentos amorosos em todos os níveis: entre casais hetero e homossexuais, entre pais e filhos, entre irmãos, entre parentes, entre netos e avós, enfim, todos os tipos de relacionamentos.
Existem inúmeras maneiras de se estabelecer uma conexão saudável, seja ela de qualquer natureza. Porém, existem regras intersubjetivas que são extremamente complexas entre as relações humanas que tornam praticamente impossível estabelecermos quaisquer parâmetros sobre a saúde e a doença.
Percebo que em nosso mundo, de agressiva “individualização”, os relacionamentos são, além de efêmeros, descartáveis e ambíguos: oscilam entre o sonho e o pesadelo e não temos como definir o momento exato em que um se transforma no outro, mas temos alguns sinais que muitas vezes não queremos enxergar. Seja por conveniência, ou medo, seja por baixa autoestima, ou por qualquer outro motivo consciente ou inconsciente e entramos numa relação de carência afetiva complexa e de difícil compreensão.
De um ponto de vista mais simples, sem ser simplista, alguns profissionais compõem suas teses sobre o relacionamento através de questionários e crenças baseados no senso comum e ditam regras concluindo que nós, seres humanos da contemporaneidade, estamos totalmente abertos a amizades, estabelecer laços profundos de convivência etc., embora sejam esses desejos latentes. Na realidade, estamos com nossa atenção tão voltada a nos concentrar nas satisfações pessoais, que esperamos obter das relações com os outros a realização de todos os nossos desejos, porque no fundo, nossas relações conosco mesmos são insatisfatórias.
As pessoas querem desfrutar das doces delícias de um relacionamento evitando, simultaneamente, seus momentos mais amargos e penosos; forçar uma relação a permitir sem desautorizar, possibilitar sem invalidar, satisfazer sem oprimir.
Surge uma reflexão neste momento: somos o que pensamos, mas não pensamos o que somos.
Se fizermos uma reflexão sobre isso, tudo mudará nos relacionamentos com os outros e conosco mesmos.
Esperamos que o outro nos complete e ficamos esperando o que nunca vem. Porque achamos que o outro nos deve. Precisamos ter um equilíbrio entre o dar e o receber. Sem isso o relacionamento fica doloroso e doente.
Nossos relacionamentos, bem como nossas experiências, começam desde a infância com o dar e receber. Nós nos sentimos credores quando damos e devedores quando recebemos e fica no nosso inconsciente o sentimento de culpa e com isso de falta. O equilíbrio entre o “crédito” e o “débito” nas relações, principalmente as amorosas, é uma dinâmica onde entra em jogo a culpa, a falta, o egoísmo, o poder, o orgulho, a vaidade, o medo (tanto da solidão quanto da presença do outro), a inveja, o ciúme, enfim, todas as característica boas e não tão boas do ser humano e que são, na maioria das vezes, inevitáveis e prejudiciais.
Para favorecer um bom relacionamento temos que ter o equilíbrio entre o “débito” e o “crédito” e isso favorece todos os tipos de relacionamentos, porque conhecem a paz que esse relacionamento produz.
Para esse reconhecimento, precisamos desenvolver a humildade de reconhecer o outro como sendo igual a nós. Ser generoso em dar o que se tem, e humilde em receber o que o outro oferece, e não aquilo que você quer e acha que precisa. Quando adotamos essa postura, nossas relações ficam mais suaves e sentimo-nos mais felizes - isso se denomina Amor. Não o amor romântico de posse e ciúme, mas o Amor generoso e humilde de simplesmente aceitarmos a nós mesmos como somos e o outro como “pensamos que o outro é.” Em contrapartida, a outra pessoa fará o mesmo e estabelecerá uma relação em que poderemos, sim, entender e desenvolver e desfrutar algumas atitudes para um bom relacionamento.
Quais são, OBJETIVAMENTE, essas atitudes?
1- Fazer uma profunda reflexão sobre quem sou. ‘Conhece-te a ti mesmo’.
2- Estipular quais são seus objetivos e desejos mais importantes na vida.
3- Reconhecer e validar os sentimentos do outro, mesmo sendo diferentes dos seus. Não é porque ele pensa diferente de mim que ele está contra mim. Todo ponto de vista é a vista através de um ponto.
4- Ter humildade em receber o que de fato o outro pode e quer oferecer, e avaliar se essa oferta é boa ou ruim para você. Ninguém muda ninguém.
5- Reconhecer que sentimentos oriundos do chamado “amor romântico”, como posse e ciúmes, não são saudáveis para uma vida a dois. Posse e ciúme são sentimentos fora de moda.
Dra. Maria Cecília Gasparian é Mestre e Doutora em Educação, Terapeuta de Casal e de Família pelo ITF e Psicopedagoga pela PUC-SP.