No dia 25 de maio 2013, faleceu o ex-prefeito de Cotia, Kenji Kira. Ele comandou o município de 1968 as 1972, além de ter ocupado outros cargos na administração pública e participado ativamente do desenvolvimento da Granja Vianna. Em homenagem a Kira, relembramos reportagem com os principais momentos desse apaixonado pela região. Veja também entrevista em video.
Nada como a memória de quem viu o tempo passar e a paisagem mudar para contar um pouco sobre como era a região
Kira menino, (em pé, primeiro da direita),em 1937, com seu pai, primos e irmãos, em sua casa, no km 24 da Raposo Tavares, onde, hoje, funciona a Flying Colors.
Kenji Kira nasceu em Cotia, em 1932, numa ainda inexistente Granja Vianna (com dois "enes"), em pleno quilômetro 24 da também inexistente Raposo Tavares - "O caminho para Cotia era pela Estrada Velha de Cotia que hoje passa atrás do posto Bem-te-vi e segue em direção ao Parque Alexandra." Aqui, Kira viveu sua infância, adolescência e juventude. Aqui, se casou, viu seus filhos crescerem e também ficarem adultos. Aqui, viveu toda a sua vida pessoal, profissional e política. Dentro de alguns anos, ele acrescentará em seu currículo de granjeiro que aqui também nasceram seus netos. Poucos acompanharam tão bem e tão de perto as mudanças acontecidas na região que hoje conhecemos por Granja Viana.
A Granja ontem
Filho de imigrantes, seus pais vieram do Japão para trabalhar em uma fazenda de Ribeirão Preto, de onde fugiram depois de cumprir os quatro anos de contrato. Por causa da linha de trem, se instalaram em Itapevi, onde nasceram os três primeiros filhos da família Kira. Mais tarde, mudaram-se para Cotia, onde arrendaram e depois compraram terras dos Novaes, localizadas às margens do Córrego Poscium, com 36mil m2. Lá nasceram os outros seis filhos da família, inclusive Kenji.
"Onde, hoje, está o posto Valemy, no km 24, existia o pomar, as verduras ficavam mais perto do rio e, onde é a Raposo, havia uma estação de invernada para gado. Não era mata densa, a paisagem era mais de pasto. Na época da gabiroba, a gente se fartava. Minha infância não foi de muita brincadeira. Lembro-me é de muito trabalho. De cuidar da terra, carregar sacolas. Não tinha diversão, não tinha rádio, não tinha jornal. Uma das coisas que costumávamos fazer, era caminhar pelas margens do Córrego Poscium que todos utilizavam para nadar, beber, lavar roupa, para a irrigação. Tinha muita traíra, bagre e camarão."
Com o tempo, muitas outras famílias da colônia japonesa foram se fixando em Cotia. Tudo o que era plantado nessas terras, legumes, verduras e batatas, era vendido no Mercado de Pinheiros, muitas vezes pelas mãos de atravessadores que se aproveitavam da dificuldade de comunicação dos japoneses. Essa foi uma das razões para a fundação da Cooperativa Agrícola de Cotia, que teve o pai de Kira como um dos sócios-fundadores.
Kenji Kira conta que na época da sua infância e adolescência havia poucas escolas na região e essa dificuldade era ainda maior para as famílias japonesas - - "Só havia a escola do Moinho Velho e a casa da dona República no Jardim da Glória". Estudou na Escola Mista do km 21 e em uma escola em Cotia - "Eu ia a pé da minha casa para a escola".
Kira lembra que outra característica da região era a existência de muitas olarias e de plantações de eucaliptos usados como lenha e que iam para São Paulo. "José Giorgi (nome da avenida que vai para o São Paulo II) era dono de uma empresa de eletrificação e tinha uma área grande que foi desmatando e plantando eucaliptos. Para isso, precisava de colonos. Vieram muitos húngaros e a Escola Mista do Moinho Velho foi feita para esta nova população".
Inauguração da praça Niso Vianna, construída pelo prefeito Kenji Kira, em 1974. Destaque paraa senhora Vanetty Vianna, viúva de Niso.
Por volta de 1950, Niso Vianna loteou suas terras, construiu a Igreja Santo Antônio e a casa para a assistência social. "Aí começou o desenvolvimento e a mudança da região que veio vindo bem aos poucos ". Durante muito tempo, a Granja Vianna (agora já existente como um loteamento) manteve seu aspecto rural. "Eram chácaras de final de semana". Kira conta que muitas famílias vieram, construíram sua casa mas acabaram voltando para São Paulo por causa das dificuldades como a distância, a falta de asfalto e de serviços. "Não tinha escola, não tinha médico. Por isso que o Niso Vianna doou a área onde está o Colégio Rio Branco para a Fundação dos Rotarianos de São Paulo construir uma escola rural para os filhos de agricultores".
Vida política
Kenji Kira entrou na política muito cedo. Foi vereador aos 28 anos, de 60 a 64, vice-prefeito de Ivo Isaac Pires, de 64 a 68, e prefeito de 68 a 72. "Jamais pensei em me candidatar a vereador, muito menos em ganhar a eleição. Fui o vereador mais novo e também o mais votado. Gostei da experiência porque o cargo me abriu muitas portas.
Quando vereador, eu já reclamava da ausência de um Plano Diretor, de um planejamento." A Cotia do período político de Kira era bem diferente de hoje. "Muitos bairros viviam isolados. Os moradores não tinham acesso à escola e à saúde, por causa da precariedade das vias publicas que dificultava o transporte. Faltavam pontes, para integrar a região. Essa era então uma das minhas prioridades".
A vida de prefeito foi bem diferente da de vereador e de vice. "Quando se pega a direção, a coisa muda. É difícil governar. É pressão dos vereadores, das SABs. A primeira coisa que fiz foi o levantamento da área administrativa da prefeitura que nem cadastro dos funcionários tinha. Só depois fui ver o que podia fazer. Cotia precisava de mais receita e, para isso, tinha que trazer indústrias para cá. Como trazer indústria se a cidade não tinha luz elétrica decente, não tinha estrada, não tinha telefone. Por isso, fiz um Plano Diretor, com toda a infraestrutura necessária para trazer mais indústrias para a região, que a Câmara não aprovou. Assumir uma prefeitura sem um planejamento é a mesma coisa que jogarem você no meio de uma bagunça e dizerem: se vira! Por isso, eu acho que tínhamos de eleger bons vereadores com bons propósitos. Porque se jogarem você na prefeitura de Cotia e falarem: faça alguma coisa, aqui temos um plano, fica bem mais fácil!"
A Granja hoje
Com o loteamento de Niso Vianna, aos poucos, a população da região foi aumentando mas Kira nunca imaginou que a Granja Viana cresceria desta forma. "Imaginava que ficaria uma área residencial. Nunca pensei que aqui viesse a ter tantos centros comerciais como tem hoje. Nunca pensei que eu teria um posto de gasolina numa rodovia tão movimentada."
Para ele, com o crescimento da metrópole, a tendência do comércio é se expandir cada vez mais. São Paulo está saturado e o desenvolvimento só pode mesmo vir para cá.
Mas sobre esse assunto ele aborda uma questão importante: "O prefeito eleito, Quinzinho Pedroso, precisa fazer um plano para acolher o crescimento de hoje e do futuro. Se ele não fizer, Cotia continuará sendo uma cidade improvisada". Outro ponto importante que ele levanta é a necessidade de se trazer mais indústrias para o município. "Mais indústria representa mais emprego e mais receita. Para que este emprego fique com a população daqui é preciso investir também na formação de mão de obra".
A Granja de amanhã
Olhando hoje, 50 anos para trás e 50 anos para frente, o crescimento do bairro se dará na mesma proporção? "Não. Ele será muito maior, mais acelerado, incalculável! Vivemos no único pedaço que a metrópole ainda tem para crescer. Cotia vale ouro".
Para ele, este crescimento tem seu lado positivo e negativo. Acredita que seus netos terão mais oportunidades na Granja de amanhã, e aponta como o lado ruim o fato dos moradores não se conhecerem mais. Num futuro próximo, Kira imagina a região formada só por condomínios isolados: "Onde não tiver condomínio, será totalmente ocupado por comércio e serviço. Fernando Nobre, Capuava, São Camilo, José Félix, João Paulo Ablas, as duas margens da Raposo Tavares _ tudo será tomado por comércio e isso ninguém segura mais."
Todo este crescimento previsível gera em Kenji Kira uma preocupação muito grande com o município: a falta de planejamento. "Ainda está em tempo de Cotia ter um bom Plano Diretor para facilitar a sua administração, dar as diretrizes de seu desenvolmento e deixá-la livre da interferência dos vereadores. Com um Plano Diretor, quem comprar um terreno em determinado local, saberá quando terá asfalto, quando o esgoto chegará, se terá indústria perto ou a que distância ficará do comércio mais próximo. Se comprar uma casa em zona residencial, terá a certeza de que não virá nenhum empreendimento para perto".
Para o bem de Cotia, ele sugere que alguém comece a cutucar e a exigir isso.
Kira por Kira
"Um cidadão, que nasceu aqui, cresceu aqui e vive aqui. Empresário, casado há 40 anos, três filhos, sem netos, por enquanto. Respeito a comunidade e gosto daqui. Existe um ditado japonês que diz: paraíso é onde você mora, onde você convive, e não onde você nasceu. Meu pai, por exemplo, nasceu no Japão, mas tinha o maior amor e consideração por Cotia".
Reportagem por Claudia Ribeiro
Fotos de acervo pessoal
Matéria publicada no Jornal daqui