20/03/2025
Nas últimas décadas, as transformações no mundo foram tão
radicais que pareceriam ficção para alguém do passado. Enquanto os avanços
científicos e tecnológicos foram moldados, em grande parte, por mentes e mãos
masculinas, as mulheres travaram batalhas intensas para conquistar espaço —
primeiro dentro de casa, depois em outras esferas da vida. Com isso, abalaram
estruturas antes tidas como imutáveis e promoveram um impacto que segue se
desdobrando.
Mas talvez seja hora de uma pausa para olhar o caminho
percorrido, repensar os desafios e traçar novas rotas. Se quisermos que essa
revolução avance de fato, precisamos questionar: o que falta para que ela se
aprofunde e se avance mais? Quais desafios se apresentam agora? Alguma
reformulação a ser feita nas lutas empreendidas até aqui?
E mais: como alcançar novas camadas da sociedade, incluindo
gerações mais jovens e, por que não, os homens — aqueles que têm abertura para
novos tempos? Em que medida as ideias e discursos precisam ser atualizados?
O medo da solidão e do estigma de ser uma “mulher sozinha”
ainda prende muitas mulheres, inclusive as mais jovens, a relações
insatisfatórias. A dependência financeira segue sendo um obstáculo, e a
violência patrimonial, pouco reconhecida, dificulta ainda mais a busca por
autonomia. Embora os avanços sejam reais, velhos padrões resistem.
E os homens? A pressão para ainda se encaixarem em um modelo
de masculinidade rígido e ultrapassado, o medo de errar e a falta de novos
referenciais os fazem ficar perdidos e paralisados diante das transformações.
Alguns tentam se adaptar, mas às vezes se iludem com discursos vazios, sem uma
transformação real. Atravessar territórios antes interditados, como emoções e
vulnerabilidades, parece um desafio assustador.
Diante disso, a questão central do momento deve ser: onde
podemos desafiar radicalmente os pensamentos e posturas do patriarcado agora?
Uma mudança real exige inclusão, pois um modelo ultrapassado afeta a todos.
Além disso, não será necessária uma revolução mais silenciosa e íntima, que
visite os padrões tão enraizados pelo tempo, crenças e visões limitadas? Talvez
essa seja a contribuição que a psicologia possa oferecer. Vejamos…
Do ponto de vista psicológico, toda mudança significativa
mobiliza resistências e medos, tanto coletivos quanto pessoais, inscritos na
biografia de cada um de nós por experiências que não puderam gerar aprendizados
construtivos.
Para as mulheres, a autonomia não garante liberdade
automática. Quando alguns obstáculos externos caem, ainda emergem desafios
emocionais e psíquicos. Maior possibilidade de escolhas não anula o medo da
solidão e do desamparo, impressos por repetidas experiências passadas. A
independência financeira pode coexistir com o excesso de autocobrança e
sensações de incapacidade. A liberdade sexual não apaga repressões e culpas
internalizadas.
Para os homens, o desafio vem de acompanhar as
transformações e fazer suas próprias revoluções. Quando as imposições para
serem fortes, provedores e direcionados às conquistas externas já não se
encaixam, o que colocar no lugar? Se não são mais os únicos responsáveis pelo
sustento, como redefinir seu senso de valor? Como mergulhar no mundo das
emoções se muitas vezes sequer aprenderam a reconhecer e nomeá-las?
Nenhuma dessas questões se resolve apenas com mudanças
externas. Ao que tudo indica, há uma outra revolução pedindo para acontecer e,
desta vez, ela não será travada apenas nas ruas, nas leis ou nos espaços de
trabalho. Os próximos passos talvez precisem ser mais silenciosos, mais íntimos
e, ao mesmo tempo, também abrangentes e inclusivos. Abandonar as estratégias de
antagonismo e de guerra contra tudo que nos parece estranho ou discordante pode
ser a maior distância a ser criada em relação à lógica patriarcal. Não estamos
nos perdendo usando estratégias iguais àquelas contra as quais lutamos?
Uma transformação real neste ponto talvez signifique uma
revolução dos sentimentos. Amor e compaixão, inclusão e consideração,
autoconhecimento e equilíbrio entre vida externa e interna não seriam as
mudanças profundas necessárias agora? Se quisermos que essa revolução avance,
talvez seja hora de transformar ainda mais a forma como nos relacionamos com os
outros — o que passa, antes, por nós mesmos. Só assim poderemos criar, de fato,
um novo modo de viver verdadeiramente revolucionário.