23/10/2024
(da Série “Contos do Despertar”)
O fogo começou no terceiro andar do Edifício Torre Eiffel, naquela fatídica tarde de dezembro, e logo se alastrou com força total.
Quando o pessoal da agência de publicidade que ocupava o 18ª andar se deu conta, já era tarde demais para fugir. Os dois sócios estavam em reunião com o principal cliente, um empresário famoso, com sua equipe de comunicação e marketing – um grupo de jovens, inteligentes e bonitos.
O pânico logo se instalou. O empresário e um dos sócios da agência imediatamente decidiram descer e enfrentar o incêndio, abandonando suas equipes. Arrancaram as cortinas da sala de reunião, molharam bastante, envolveram-se nelas e desceram correndo as escadas, para logo voltarem, pois era impossível passar pelo fogo e respirar a fumaça que entrava pelos pulmões.
O sócio que ficou era conhecido pelo sangue frio e a praticidade em momentos de alto risco. Optou por retirar o dinheiro do cofre, dólares e euros, além de documentos importantes e sigilosos da empresa, colocou tudo em uma caixa de aço que jogou pela janela na direção do carro de bombeiros, tomando cuidado para não machucar ninguém. Depois ligou para se despedir da família.
Nessa altura, os funcionários da agência e o grupo de jovens do cliente estavam em polvorosa, gritando uns com os outros, sem saber o que fazer, para onde ir. Em desespero, dois deles se jogaram pela janela. Não havia um líder que pudesse compreender e controlar a situação.
Enquanto isso, sem que ninguém percebesse, o motoboy da empresa, que conhecia muito bem o prédio, calmamente ligou para o corpo de bombeiros, avisando que estariam na cobertura esperando o resgate por helicópteros, pois era impossível descer. Felizmente, na cobertura, havia espaço suficiente para um helicóptero pousar em segurança.
Foi assim que, dentre centenas de mortos e feridos, 36 pessoas se salvaram, incluindo os executivos e os funcionários. E a caixa de aço foi recuperada, sem nenhum prejuízo.
O motoboy, assim que se viu na rua, colocou-se à disposição dos bombeiros para ajudar nos resgates e encaminhar os feridos, enquanto alguns dos sobreviventes se posicionavam como heróis, assim que viram os holofotes e as câmeras de TV.
Os demais sobreviventes, entretanto, profundamente gratos e ainda em estado de choque, fizeram questão de reconhecer e divulgar o gesto heroico do jovem salvador. E nunca o esqueceram.
Ele ficou famoso por alguns meses, até que outro grande desastre ocupasse a atenção da população.
Vários anos se passaram e, hoje, o antigo motoboy é dono de uma grande empresa de segurança, respeitado por todos como um patrão justo e amável. Nas horas vagas, adora cozinhar para sua mulher e quatro filhos, além dos parentes e amigos, vários deles do dia do acidente.
O mundo é como uma série de TV onde cada um tem seu papel. Poucas vezes, entretanto, vemos o mais humilde dos coadjuvantes assumir o papel de ator principal no grande espetáculo da vida.
Carmem Carvalho e Marian Bleier