Quarto Caminho Voltar
29/09/2020
Infância com D. Alice
Quando minha mãe me ligou para dar a notícia da morte de D.
Alice, minha infância voltou inteiramente à minha memória.
Ela tinha 48 anos quando mudamos para a casa ao lado, em uma
pequena cidade do interior de Minas. Naquela época meu pai passava meses
viajando como representante comercial e minha mãe ficava muito sozinha cuidando
de quatro crianças.
Eu ainda não tinha 5 anos quando conheci D. Alice. Ela havia
ficado viúva ainda muito jovem, quando seu marido e sua filhinha morreram em um
acidente de automóvel. O interessante é que ela não ficara amarga apesar dessa
perda tão terrível, e mantinha sempre um semblante tranquilo e feliz. Seu riso
era contagiante e ela sabia contar histórias e anedotas como ninguém.
Por algum motivo ela se encantou comigo e, cozinheira de mão
cheia, sempre me recebia com deliciosas guloseimas: bolo de chocolate, torta de
maçã, biscoitos, sonhos etc. Todas as dores de uma criança foram curadas naquela
casa que parecia o céu na terra.
Ela estava sempre disponível para me ouvir e aconselhar. Em
sua companhia, durante nove anos, aprendi a ser amável, corajosa, livre e verdadeira.
Ela me ensinou a tocar piano, a subir em árvores e a lidar com os meninos. Seu quintal fazia a alegria de toda a
garotada da rua, com um pomar cheio de mangueiras e jabuticabeiras.
Havia também um cachorrinho chamado Vavá, que adorava
brincar comigo, e um papagaio que aprendeu a gritar sempre que me via: a Lúcia
chegou, a Lúcia chegou!
Ela fazia milagres com a modesta pensão deixada pelo marido
e parecia a pessoa mais rica e generosa do bairro. Muitas vezes ela socorria
minha mãe com um empréstimo que nunca aceitou de volta.
Os heróis e heroínas de suas histórias trouxeram um mundo
mágico para minha vida de criança, ensinando força de vontade, lealdade,
justiça e amizade. Todas as vezes que eu
tinha um problema que parecia mais angustiante, antes de falar sobre ele, íamos
até seu pequeno oratório acender uma vela para o meu Anjo da Guarda, onde
ficávamos um pouco de tempo em silêncio. Ela dizia que o Anjo gostava muito de
luz e de silêncio.
Aos 13 anos, minha família mudou para Belo Horizonte para
que pudéssemos estudar em melhores escolas e para acompanhar meu pai, finalmente
promovido a diretor comercial da empresa em que trabalhara durante trinta anos.
A vida é cheia de despedidas, mas não me lembro de nenhuma
tão triste e tão difícil como o adeus à D. Alice. Nós choramos abraçadas
durante longo tempo e sua benção continuou a me acompanhar, me trazendo conforto
nos momentos mais difíceis, além de proteção e boa sorte.
Até hoje, passados vinte anos, quando tenho um problema sério,
sempre me recordo dela: me ensinando a pensar, a não ter pressa de resolver e a
confiar que a melhor solução ia aparecer. Sua influência em minha educação foi
radical, me permitindo crescer com uma mente mais lúcida e um emocional forte e
generoso.
Foi só depois de adulta que descobri que o meu Anjo da
Guarda é o mesmo que algumas tradições espirituais chamam de Alma ou de Mestre
Interior e que, de fato, está sempre presente para iluminar nosso caminho neste
mundo.
Descanse em paz, querida mestra e amiga! Sou profundamente
grata por sua presença em minha vida.
Carmem Carvalho e Marian Bleier
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