27/01/2022
Jonas sofreu muito quando criança e se tornou um adulto cheio de mágoas, rancor e revolta. Não queria mais viver em sociedade. Teve a sorte de encontrar uma mulher que pensava como ele, casaram-se e tiveram dois filhos gêmeos.
Quando os bebês nasceram, ele e a esposa decidiram morar em uma ilha pouco habitada, tranquila, onde pudessem viver com simplicidade, pescar e plantar seus alimentos. Ela herdara um bom dinheiro dos avós, que permitiu a compra de vários hectares de boa terra. Transportaram para lá seus pertences e os cachorros; compraram um cavalo, uma cabra e uma vaca leiteira, um galo e galinhas. E construíram uma casa em cima de um platô, com uma linda vista para o mar e, do outro lado, a companhia de uma pequena cachoeira e um riacho de água doce e fresca.
Trabalhavam dia e noite e não viam o tempo passar, pois era um cansaço físico muito bom. De vez em quando, para fazer trocas e algum dinheiro, Jonas ia para a feira do lugarejo mais próximo vender as frutas do pomar e os legumes e verduras da horta. Levava também, em seu barco, peixes, queijos, e doces que sua mulher, exímia cozinheira, fazia tão bem.
Os anos se passaram e tudo parecia perfeito. Os meninos cresceram fortes e inteligentes, mas, quando chegaram à puberdade, uma grande insatisfação se instalou na vida deles. Queriam ver o mundo, conviver com outros garotos e meninas, estudar em uma escola normal, participar de jogos e festinhas etc. Ou seja, queriam viver em sociedade. A mãe, que não queria abandonar os filhos e que também já estava saudosa de sua família, tentou convencer o marido a voltar para a cidade.
Jonas, furioso, não só recusou como expulsou todos eles da ilha. Não conseguia compreender e aceitar esta situação e se sentiu novamente rejeitado e ameaçado em sua dedicação e afeto. O drama da infância voltou com força total e ele sentiu seu coração sangrar mais uma vez.
Quando ficou sozinho, durante a noite, para não mergulhar em depressão, ele se sentava perto da cachoeira e ficava ouvindo em silêncio o som das águas. Como quase não conseguia dormir, acostumou-se a contemplar o nascer do sol e, ao entardecer, caminhava pela praia com seu cão esperando a noite chegar. Essa situação durou vários meses, até que um dia Jonas acordou sorrindo e cantarolando, e percebeu, muito surpreso, que se sentia leve e feliz, pela primeira vez na vida.
Um sentimento de amor por si mesmo, por sua família, pelo mundo, pela humanidade inteira, brotou em seu coração, e ele riu e chorou, e chorou e riu por algumas horas. Isso durou vários dias, até esgotar uma mágoa profunda e acalmar uma dor pungente que o perseguia desde criança. Compreendeu que a guerra e a paz estavam dentro dele.
Escreveu, então, uma carta para a esposa e os filhos: “Venham me visitar sempre que puderem e eu irei vê-los sempre que puder. Amo vocês e entendo a decisão que tomaram. Não existe mais distância entre nós, entre o mundo e eu, agora posso viver feliz em qualquer parte do planeta. Mas, neste momento, meu lugar é aqui.”
Como sempre acontece quando alguém se liberta, onde há luz, jovens de outras regiões foram chegando em busca de atenção, afeto e conhecimento. E Jonas, o solitário, transformou-se em Jonas, o Solidário.
Carmem Carvalho e Marian Bleier