21/03/2024
(da Série Contos do Despertar)
– Quando eu vejo um erro eu corrijo, quando vejo um defeito eu aponto!
Assim dizia Amadeu, o diretor do colégio. Ele não entendia por que ninguém gostava dele, nem mesmo sua mulher e seus filhos.
– Não há nada correto neste mundo e as pessoas são estúpidas e cruéis, resmungava todas as noites ao voltar para casa.
Nos primeiros anos de existência do colégio foram matriculadas mais de mil crianças, pois era uma região agrária distante das grandes cidades. Dez anos se passaram e agora estão estudando cerca de trezentos alunos, diminuindo a cada ano. A raiva e a revolta tiram o sono do diretor, que não entende por que os melhores professores pedem demissão e os pais preferem dirigir por mais de duas horas para levar seus filhos a outras escolas nas cidades vizinhas.
Prejuízo financeiro, autoimagem abalada, família desestruturada, que mais falta acrescentar ao desespero de Amadeu? Ah, sim, o velho carro quebrou e seu filho caçula sofreu um acidente e foi hospitalizado. Mas o pior ainda estava para acontecer: quando o filho recebeu alta, recusou-se a sair do hospital, onde comia melhor e era bem tratado.
Foi então que deu um clic na cabeça de Amadeu. Olhou dentro de si e percebeu, pela primeira vez, que havia alguma coisa muito errada com ele. Ao recordar sua vida desde a infância, lembrou que era uma criança alegre cheia de brinquedos e amiguinhos, até o dia em que o pai foi embora e a mãe casou-se de novo com um alcoólatra amargo e violento. Teve uma adolescência extremamente difícil até se tornar um adulto frio, distante, desconfiado, que aprendeu a se defender atacando primeiro.
Temperamento irascível, crenças arraigadas, ideias fixas não são coisas passiveis de mudanças com rapidez e sinceridade, ele pensou. Como posso alterar o meu destino? Do jeito que está vou terminar pobre, doente e sozinho. Estava tão cansado e infeliz, que adormeceu profundamente no sofá da sala. Já era o final da tarde quando despertou e decidiu sair para caminhar no frescor da primavera.
Ao entrar no parque, viu as crianças brincando sob os cuidados de mães e avós, os cachorrinhos correndo atrás das bolinhas, um belo momento sem preocupações, sem stress. Quando a noite chegou, Amadeu contemplou a lua cheia e o céu estrelado e foi invadido pelo perfume das árvores floridas e da grama úmida. Sentiu seu peito relaxar e expandir-se em respirações profundas e um riso gostoso, inédito, sem nenhum motivo, causou espanto nos transeuntes que passavam.
Subitamente Amadeu exclamou:
– Se eu passei tantos anos construindo armas e prisões posso perfeitamente passar o resto da vida me libertando e libertando os outros!
Essa compreensão e essa decisão vieram juntas na mente e no coração daquele homem e o transformaram. Desde então sua família e sua escola cresceram em harmonia e prosperidade e ele descobriu o prazer de compartilhar e de doar, multiplicando as benesses como sementes celestes brotando da terra fértil.
Quando faleceu aos 93 anos de idade, cercado de atenção e carinho, escreveram em sua lápide: “Aqui Jaz Amadeu, o bem-amado que esta cidade jamais esqueceu!”
Carmem Carvalho e Marian Bleier