01/11/2011
Quando fecho os olhos posso “ver” dentro de mim. Esse continente interno vasto, desconhecido em grande medida, onde os nativos são sentimentos nus, às vezes tão selvagens, falando uma língua difícil para eu entender.
Há alguém lá dentro que chamam de ego. Aquele que coloca ordem na casa, escova os dentes e que muitas vezes se acredita único Senhor desse continente.
“Ego na gerência, nunca na chefia”, disse certa vez, numa palestra, o rabino Nilton Bonder.
O ego na gerência porque ali ele é capaz de me lembrar de escovar melhor os dentes para adiar o dentista. Na chefia, ele não dá conta de entender que sentimentos não se escovam e aí ele fica desordenado, falante, muito falante, dentro da minha cabeça.
Ele produz pensamentos e pensamentos, manda e desmanda enquanto todos os outros meus habitantes internos continuam seu trabalho de me expressar. Com tanto barulho mal posso ouvi-los.
Se há outro Eu que mal pode ouvir por causa do ego delirante querendo colocar sentimentos nas prateleiras que nome tem ele? Eu superior? Essência? Alma?
Não é a toa que existam tantas religiões, tanta psicologia, tanta filosofia, todos tentando serem cartógrafos em busca de mapear essa vastidão interna.
Apesar de o ego ter guiado muito bem meu carro e levado filhos na escola no horário certo, contas terem sido pagas e o fio dental ter feito seu trabalho direitinho, nesses dois últimos dias enlouqueci. Não de verdade, sem precisar usar camisa de força, mas tive um motim interno. Uns sentimentos que não falam português se postaram frente aos meus olhos que viraram cachoeiras. Chorei e chorei e para quem estava perto e perguntava por que, eu não sabia o que responder.
Podia dizer que talvez fosse por ver amigos queridos sofrendo ou porque teimo em que a realidade seja o que essa alma, ou esse ego, ou esses sentimentos querem e ela desobediente não quer.
Pode ter sido o corpo exausto ou talvez saudades do colo de uma “figura de apego segura” que não tive quando pequena, porque estavam lá meus cuidadores tão desorientados eles também.
Posso fechar os olhos e fazer o que Tenzin Wangyal Rinpoche, um lama de tradição tibetana ensinou ontem à noite: localizar esses sentimentos amotinados no peito, deixar que eles falem e então ouvi-los sem julgar e sem culpar alguém outro que possa tê-los causado. Perceber que há um grande espaço em volta deles.
Não é fácil ser continente, não é fácil conter tanta complexidade. Não sou simples, imagino que seja difícil alguém ser. Recebo toda noite cartas cifradas que levam o nome de sonhos e que trazem mensagens dessa turma toda que me habita.
Sei que desenlouqueci depois que chorei e uma amiga acolheu, sei que voltei a ficar contente depois que trabalhei hoje no que gosto, sei que algo que talvez se chame energia voltou a circular depois que fiquei perto de amigos.
Aquele tumulto todo, aquela confusão que estava mareando meus olhos foi se dissipando. Agora sei um pouco mais de mim do que sabia antes. Não é pouco para uma cartógrafa amadora.