25/03/2019
Você leu minha última crônica que falava de ciúmes? No texto contei que enviei um e-mail perguntando para um ex namorado se ele tinha tido – como eu imaginava - um caso com sua paciente de massagem na época em que namorávamos.
Ele disse que sim! Tinham tido mesmo e explicou que não me disse nada porque era tudo muito complicado. Ele era recém-formado, ela era uma das suas primeiras pacientes e na massagem ela começou a ter comportamentos estranhos. Aqui vão as palavras dele:
"No início ela chorava muito logo que ia para a maca e quando eu perguntava se ela queria que eu parasse, ela dizia timidamente que não. Isso durou várias sessões. Um dia, quando terminei a massagem, ela começou a falar com uma voz que não era dela. Ela disse que ali estava Lucia (minha paciente se chamava Luciana) e que gostava muito de mim.
Fiquei espantadíssimo, sem saber o que dizer e ela foi tagarelando, falando de mim, do meu jeito, que gostava da massagem... Lucia não tinha nada da fragilidade e timidez que Luciana tinha. Pelo contrário, era muito yang, inteligente e zombava de mim. Quando chegou na porta para ir embora ela me olhou com olhos baixos e aí percebi que Luciana tinha voltado!
Sempre que ela chegava a cada semana era a mesma paciente tímida de sempre, e eu não tinha coragem de comentar sobre a Lucia que aparecia no meio da massagem. Um dia ela começou a me tocar enquanto eu a massageava. Segurou meu rosto com uma doçura que me desconcertou. Depois foi me tocando mais e mais e eu já não estava conseguindo resistir e começamos a ter um caso. O que me atormentava demais, sendo sincero, nem era minha relação com você, e sim com meu professor de massagem que fazia uma espécie de supervisão comigo. Eu sabia que não podia contar nada daquilo para ele, mas ele era muito intuitivo e começou a me pressionar para eu falar 'daquilo que não se fala', ele dizia. Queria saber se eu me sentia atraído pelas minhas poucas pacientes. Acabei contando e ele ficou furioso.
Resultado: acabei dizendo pra Luciana que não poderíamos mais continuar com a massagem e ela começou a chorar sem parar. Não sentia coragem de confrontar Luciana, falar da Lucia e dizer que queria continuar me encontrando com elas (!!!) fora do consultório. Só fiquei parado na frente dela sem saber o que fazer e de repente ela saiu correndo, não voltou a me procurar e não atendia meus telefonemas.
Meu professor disse que aquele era um caso de psiquiatra e eu tive que concordar! Mas senti muita falta da sintonia que rolava com Lucia, surgiu uma oportunidade para eu viajar eu eu fui... disso você sabe.
Nesses anos todos liguei algumas vezes para Luciana e ela fingia que éramos apenas amigos, contava da sua vida, perguntava da minha, não dava nenhuma brecha para falarmos do que tinha acontecido. Há dois meses, pela primeira vez, foi ela quem me ligou. Contou que estava naquele momento com uma recém-nascida no colo, amamentando. Logo depois que ela deu tchau, disse baixinho e rapidamente: foi muito bom pra mim, tenho muitas saudades e desligou. Meu corpo amoleceu na hora... e agora você me escreve revivendo a situação.
Muitas desculpas por não ter sido honesto com você e te contado tudo ou terminado logo nosso namoro. Tenho esse problema, não consigo falar do que está acontecendo, a não ser que a pessoa me pergunte, como você fez agora."
Pois é! Minha intuição lá no passado estava certa. Fiquei pensando na história que ele contou. O professor dele achou que era um caso de psiquiatria, dela ter duas personalidades opostas, mas quando contei a história para uma amiga da Umbanda, ela disse que poderia ser um tipo de energia que dominava o corpo da Luciana nessas horas e que já estava na hora da psicologia considerar hipóteses como essa.
Tantos olhares possíveis, mas o que me pegou foi a imagem dela sentada na poltrona amamentando e ligando pra ele para falar do que nunca foi dito, pra expressar saudades e desejo. E ele, vulnerável, recebendo aquela informação sussurrada...
- Por que você não foi atrás dela depois desse telefonema? Perguntei...
Ele respondeu: "Tenho uma vida, sou casado, sou pai de dois meninos ainda pequenos, ela está começando a vida de mãe dela... não cabe... uma pena, eu teria muita curiosidade de chegar perto novamente."
- E aí? Qual delas você acha que sussurrou no final da ligação falando em saudades? perguntei.
Ele respondeu: "Pensei muito nisso de ter essas duas vivendo naquele corpo. De como temos, na verdade, desejos antagônicos lutando dentro de nós. Ela deu vida a essa contradição interna daquele jeito maluco. Já eu tenho procurado abafar os outros Eus que poderiam querer vidas diferentes, porque tenho uma vida preciosa com minha família. Mas respondendo sua pergunta, acho que foi algo maior que uma mescla da Luciana e da Lucia que falou comigo ali amamentando. Tinha o falar baixinho da Luciana, tinha a verdade da Lucia, mas acho que foi aquele ser que abriga as duas que falou comigo. Uma voz que veio de uma totalidade que entende que o coração sente algo diferente às vezes do que a razão considera mais apropriado, que compreende que é preciso se arriscar e se proteger... Tive a esperança de que a mesma totalidade que estava ali dando vida com seu leite a um ser indefeso também sabia cuidar de si acertando uma conta pendente comigo. Reconhecendo a existência de algo que realmente aconteceu entre nós e que foi forte."
Valeu ter me debruçado sobre os ciúmes do passado e voltar a falar com ele para checar se minha intuição tinha sido correta. Também eu estou aprendendo a enxergar os Eus contraditórios que existem dentro de mim... ouvi-los... ou como quer minha amiga, aprendendo a ficar atenta a possíveis energias que de algum modo possa estar atraindo!