11/07/2013
Estou ouvindo trechos de uma briga aqui perto. Ouço mais a voz da mulher, que está muito brava. Alguém está chorando e escuto também a voz irritada de um homem.
Que vontade de bater na porta deles e me oferecer para intermediar o conflito. É disso que gosto, tentar traduzir aquilo que não está sendo compreendido.
Hoje visitei uma amiga que está pintando uma floresta na parede de uma pizzaria. Quando a vi ali, de avental todo respingado de tinta, pensei que pintar não é a minha praia mesmo.
Também não posso ter algo concreto, um restaurante, uma loja. Não me entendo com comida, não saberia fazer as compras e detesto dobrar roupa.
Claro que tudo se aprende, mas já que é para fazer algo quase todos os dias, que flua fácil!
Os colegas de uma garota adolescente que conheço disseram que a viam no futuro numa sala de reuniões, coordenando um projeto, e ela se identificou com essa visão.
Como eu sei que ela sofre ao ver os mendigos na rua, perguntei se ela não se interessaria em trabalhar num negócio social. Quando expliquei que este tipo de empreendimento tem como objetivo superar a pobreza ou um ou mais problemas que ameaçam as pessoas e a sociedade e não a maximização do lucro, seus olhos brilharam. “É isso, é por aí”, ela disse.
A tradição judaica conta a história de um jovem que perguntou ao seu rabino se ele não tinha medo de que quando morresse Deus lhe perguntasse porque ele não tinha sido um Moisés ou um Elias. O rabino respondeu que, na verdade, tinha muito medo que Deus lhe perguntasse porque ele não tinha conseguido ser ele mesmo!
Pois é, ser quem somos não parece tarefa fácil! Para começar é preciso se conhecer profundamente para, como dizem por aí, descobrir que pecinha somos nós no grande quebra cabeça da existência.
Um amigo me ligou da Inglaterra para contar que sua filha de 17 anos está grávida de um homem casado que não vai assumir o filho e que, por isso, ela vai abortar. Ele não mora com a filha que não aceita o fato dele ter se separado da sua mãe e por isso não fala com ele.
Recentemente ele teve um filho e é por isso que o aborto da filha o faz tão triste. Tem vontade de ligar para ela, pedir que venha conhecer seu meio irmão, contagiá-la com a delícia que é ter um bebê, mas sabe que não adianta.
Ele disse que entende que o aborto nesse caso é uma aposta no futuro, que quando ela estiver com alguém e aí planejar um bebê será diferente. Ela e o filho terão apoio e ela já terá terminado os estudos, mas, ele pensa, e se por algum motivo ela não puder engravidar mais, ou se os planos que ela tem para o futuro não derem certo e ela tiver perdido a oportunidade que se apresenta agora?
Bola de Cristal, quem tem? Ele fala que se arrepende muito de ter se separado e assim perdido o contato com os filhos, mas quando ele olha seu novo bebê tudo muda de perspectiva.
Ouvi agora uma porta bater e um carro indo embora rápido. Acho que foi desse jeito que acabou a briga que eu estava ouvindo aqui perto.
Li que as emoções, os sentimentos estão sempre disponíveis para todas as gerações, e que cada uma delas se apropria desse legado humano na sua época.
É verdade, tenho um avô que pegou a infidelidade para si e minha avó por sua vez pegou a mágoa e ficou com ela até o finzinho da sua vida. A família briguenta está com a raiva e a tristeza nesse momento. A filha do meu amigo pegou o ressentimento e agora com o aborto não vai precisar pegar o desconforto da ilegalidade porque na Inglaterra ele é permitido, mas vai pegar a dor de ver crianças com suas mães, ao menos por uns tempos. A garota que quer liderar reuniões pegou o sonho de beneficiar as pessoas com seu talento num negócio social. O rabino tinha pego a consciência de que não é fácil ser fiel a si mesmo.
Viver não é nada fácil, nem mesmo com Bola de Cristal!
“Ser ou não ser, eis a questão” é frase de “Hamlet, Príncipe da Dinamarca”, de William Shakespeare.