04/04/2012
A culpa é minha fiel companheira, meu filtro, minha lente, minha estrutura, minha patroa, meu algoz.
A raiva? Nao tenho, claro que não, sou tão evoluída, tão boazinha...mas hoje ela me pegou pela goela. Apertava tanto e eu não conseguia dizer porque estava tão brava.
O desejo era jogar tudo no chão, mas já que não podia fui para um cantinho e sentei ali. A sensação era de estar numa quarto de manicômio.
O que passava pela cabeça era uma revolta pelos lugares estreitos, pelas normas de conduta, pelos olhares constritores. A raiva era uma vontade de expandir, de não respeitar.
Fechei os olhos e tive uma visão da pacífica aqui batendo até machucar numa pessoa que gosto muito. Depois que bati me vi como um homem e não gostei dele.
As mulheres dentro de mim não batem? Tive que me travestir de homem para machucar?
Depois que a tempestade passou senti nitidamente que algo que eu chamaria de alma tinha me deixado. Uma alma sofredora.
Estava na terapia e meu terapeuta soube acolher e quando ele perguntou se tinha alguém na família que tivesse enlouquecido me lembrei de alguém muito próximo que não vejo há anos e que está internado por muito tempo, sem prazo para sair.
Me dei conta de que tinha pensado nele de manhã, que ele bem poderia falar mal de mim pois eu o abandonei, nunca mais visitei, etc.
Culpa, hem? A culpa me pressiona, a pressão traz a raiva, a irritação.
Não estou dizendo que sou médium e que a raiva não me pertencia. O tempo todo eu sabia que ela era uma reação ao que me anda acontecendo, mas ao senti-la me deixando como uma alma sofredora eu a percebi claramente como uma energia.
Num momento ela estava ali querendo derrubar tudo no chão e mais simbolicamente querendo jogar para o alto meus “bons comportamentos”, arrebentar os lugares estreitos que me coloco. Noutro momento a serenidade tinha voltado, a energia tinha sido escoada.
Minha mãe quebrava coisas quando tinha raiva, optei por outro caminho para contrabalançar e talvez agora a conta tenha que ser paga.
Dias depois que isso aconteceu a boazinha aqui tão evoluída que nunca tem raiva teve outro acesso. De novo a culpa. Ia saindo para uma festa e meu filhote reclamou que estava com fome. Comecei, já culpada porque ia deixá-lo sem comida, a procurar opções na geladeira e ele com o breque de mão puxado, colocando dificuldades tipo não gosto disso ou daquilo.
Fui ficando furiosa e vi dentro de mim a vontade de machucá –lo - não fisicamente, gracias! - dizendo coisas pesadas que transferissem minha culpa para ele!
Devo ter aberto uma grande tampa porque ontem outro acesso. Por torpedo! Com minha irmãzinha que está viajando. Eu, toda animada, para resolver um problema financeiro familiar daqueles cabeludos e ela me questionando de um jeito que eu considerei que ela estava me chamando de louca. Fiquei mesmo louca na hora! Uma fúria absurda!
Aprendo assim que tenho outro botãozinho que me traz a raiva além da culpa. É o medo da loucura.
Para a psicologia conhecer esses botões e assim desmontar seus mecanismos é um caminho possível.
Em textos referentes ao budismo tibetano leio que a raiva é um dos venenos da mente, está associada ao Reino dos Infernos e que a sabedoria da Raiva é ser um espelho imperturbável.
O espelho apenas reflete aquilo que está na frente. A raiva então traz a capacidade de ver e a mobilização para fazer o que há para fazer. Se o espelho reflete alguém matando outro alguém vamos tentar impedir, se mostra que há alguém pisando no meu pé, vou tirá-lo de baixo, colocar o limite necessário. A justa ação.
Inspirada nestes ensinamentos pedi para uma amiga sentir a raiva dela sem as histórias e personagens envolvidos, isto é, sem passado, sem futuro, sem pensamento. Ela viu, então, a imagem de um furacão que ia destruindo tudo por onde passava. Pedi que ela visualizasse esse furacão no céu, no espaço onde não parece haver nada para ser destruído. O que sobrou então foi uma força gigante.
Com isso em mente estou com muita vontade de ficar com raiva de novo, não para atuá-la, mas para poder sentir essa energia poderosa, descobrir o que ela tem a contar sobre mim, revelando assim os nós para que eu possa ir desatando.
Difícil é renunciar ao desejo de se considerar o Certo e o outro o Errado. Difícil é achar que não tem que revidar, mas, definitivamente, não estou interessada em ferver de raiva ou gelar de ódio e assim habitar os Reinos dos Infernos que são muitos e são quentes e gélidos.
Quero a energia da raiva para construir um lugar melhor dentro e fora de mim!