26/11/2014
Sua boca te obedece? A minha até que sim, mas, de vez em quando, ela se abre e eu me surpreendo bastante com o que ela diz.
Certo dia, um moço com quem eu tinha um relacionamento muito difícil estava triste, e chorou ao falar com o grupo do qual fazíamos parte. Algumas pessoas foram abracá-lo e, quando chegou minha vez, eu disse: “Sou seu anjo da guarda e gosto de você mais do que qualquer outra pessoa no mundo!” Se eu me espantei com o que disse, imagina ele!!! Que vergonha!
Minha boca me surpreendeu também outro dia com uma lógica incomum: Uma moça que trabalha para minha irmã estava guiando o carro dela e bateu, sem querer, no meu que estava parado. Isto é, ela amassou dois carros ao mesmo tempo e nenhum deles era seu. Minha reação foi dizer que eu pagaria o conserto do meu. Ela se recusou, dizendo que ela tinha provocado o acidente. Minha boca disse então: “Se meu carro não estivesse aqui você não teria batido nele, por isso a responsabilidade também é minha!” Ela não aceitou meu raciocínio incomum, mas eu gostei dele.
É pura verdade, não é? Para ela bater precisou do meu carro e eu o tinha colocado ali. Ela errou? Sim, mas quem não erra? Po rque não podemos considerar tudo como responsabilidade de todos os envolvidos?
Ainda nessa linha de pensamento, outro dia pensando numa enrascada em que estou metida, em vez de procurar os possíveis culpados, preferi analisar por que eu não tinha evitado meu envolvimento quando teria podido, lá no início. Por que eu não quis ler a situação com olhos lúcidos?
Ao enxergar com clareza minha responsabilidade senti claramente muitos fios meus se soltando. Que fios são esses? Não sei bem, mas a sensação foi de muita liberdade e leveza.
Entrei em contato com outro jeito de pensar surpreendente ao ouvir um ensinamento budista, num CD. Nele, a Lama Tsering Everest dá o seguinte exemplo: Uma mulher se queixa do fato de estar casada há vinte e cinco anos com um homem muito rude. Um verdadeiro porco-espinho. O fato de ela permanecer no casamento por tanto tempo já não lhe dá o “direito” de dizer que é uma vítima da situação, afinal ela já sabe bem com quem está lidando, e se continua ali já é por opção.
A Lama sugeria também que pensássemos na perspectiva do porco-espinho: Ele está casado com uma mulher que detesta porco-espinho, que se fere com suas pontas, que quer que ele seja um coelhinho fofo. Não deve ser fácil estar casado com alguém que quer que você seja algo que você não é, e que se fere e sofre com o seu jeito de ser.
Ela disse também que em certas situações fica realmente muito difícil perseverar num relacionamento no qual o sofrimento está muito presente, por isso a separação pode ser uma opção; mas que ela não seja causada por querermos nos livrar do problema, e sim para proteger a pessoa que nos faz mal de continuar a nos fazer mal!
Afinal, segundo o budismo, o que plantamos é o que colhemos, portanto esse homem rude, machucando sua esposa com seus espinhos, está assim plantando ferimentos para ele também. Se ela se separa, se ela deixa de ser o alvo, ela estará assim evitando que ele vá colher infortúnio no futuro! Ela não casou por amor? Que se separe por amor!
Adorei! Um modo de enxergar as situações também baseado na noção da responsabilidade. Experimente! Procure as situações em que facilmente você se sentiria vítima e enxergue sua responsabilidade, por mínima que seja. Isso muda tudo, na minha modestinha opinião! Dá liberdade e poder! Os fios se soltam! Não que isso vá nos impedir de agir de modo a nos proteger, pelo contrário, possibilita que o olhar fique muito mais lúcido, mais amplo. É uma maneira de enxergar a conexão que permeia tudo e o papel que todos temos de plantar e fazer boas colheitas. De preferência, para todos!
Foto: Ligia Vargas