20/09/2011
Julia, de dois anos, dorme. Dormir tem hora, tem que ser agora. É tarde, amanhã vou querer dormir e não posso. Ela estará acordada cedo e também terei que estar. Dormir não quero. Quero escrever, pensar, dançar. Cada um tem seu horário, acredito. Seu ritmo, seu fuso. Sorte de quem pode respeitá-lo. É, com certeza, mais sereno. Ou ao menos um motivo a menos para não sê-lo.
Cada um tem seu ciclo noturno, seu momento de sonhar. O meu coincide com o despertador de manhã, que sempre me tira das garras dos meus pesadelos e eu não o agradeço por isso. Fica suspenso no ar meu destino no sonho. Não posso, dormindo, resolver simbolicamente meus desalinhos. Beijos deliciosos arrancados dos lábios pelo súbito despertar. Abro a porta e não tenho tempo de ver quem está lá. Interrompido. Estressa muito, já li, já senti, tenho certeza. Não sonhar é que nem não comer, não beber. O vaso sutil e vital de cristal trinca.
Há tempos escrevi o texto acima e hoje me ponho a pensar sobre ele. Estou me sentindo cada vez mais encantada com o efeito benéfico que causa sobre minha disposição e humor o fato de ficar acordada de madrugada e dormir a manhã inteira. Horário que estou podendo fazer ultimamente. Acendo quando a noite cai, só que acordo no mínimo ao meio dia, mas - que pena! - cheia de culpa. Se pudesse escolher, seria o tipo que levanta cedo. Concordo que a luz da manhã é linda e o dia rende, mas não é o que pensam os genes que partilho com vários notívagos da minha família.
Uma amiga vive às turras com essa tendência. Ela não a admite de forma alguma. Nomeia esse pique noturno de insônia e dá-lhe remédio para combatê-la. Calmantes para dormir, antidepressivos para se manter acordada de dia. Não sei bem o que é insônia. Imagino que seja um conflito entre desejos. O dos olhos de ficarem abertos e o da mente de fechá-los, o corpo pedindo repouso. É isso insônia? Ainda assim me inclino a acreditar que é mais uma questão de acertar o passo com o tal do gene.
Ela fez um teste para descobrir a origem do seu problema com um médico que estuda os chamados distúrbios do sono. Saiu de lá brava, porque a conclusão do teste foi de que não havia motivo orgânico para tal insônia. Talvez o caso dela seja mesmo de falta de aceitação. Como eu que me digo: “Na cama, a essa hora?? Que vagal!” Na época da escola, eu já dormia com a meia e a camisa do uniforme que, suponho, era de tergal. Ou será que eu ia toda amarrotada? De manhã levantava no limite máximo, calçava o sapato e vestia a saia bonitinha do Colégio Sacré Coeur, trombava no corredor com minha irmã, igualmente sonâmbula, entrávamos caladas no fusca e chegávamos quase sempre atrasadas na escola. Dormi em todas as aulas com slides que passaram pela minha infância.
Já fui grande perseguidora dos sons da madrugada: gambás no telhado, brigas de casais, brecadas violentas, tiros, escapamento aberto.
A propósito, você, por acaso, já ficou aguardando horas a fio um marido que você julga estar sendo infiel? Já ficou apurando seu ouvido para perceber o carro estacionando na rua, a porta batendo, a chave girando na fechadura, os passos, o casaco sendo tirado, a paradinha no banheiro, até ele te encontrar com aquela alegre cara emburrada?
Felizmente minhas ocupações noturnas andam bem mais serenas. Os sons da madrugada no feudo onde moro não me sobressaltam, com exceção de agora há pouco, quando ouvi fortes pancadas que logo decifrei: era o jovem galo do meu marido (ok, o galo que meu marido cria junto com umas tantas galinhas) batendo vigorosamente suas asas e em seguida cantando pela primeira vez. De tudo isso dito, cheguei a uma conclusão e garanto: um galo embaixo da janela é muito pior que a dita insônia. Diria até que é quase tão ruim quanto aguardar marido infiel chegar em casa!
Foto: Fotomontagem do artista Alberto Lefreve que o identifica no Facebook.