22/06/2017
Um amigo me conta que ama sua mulher, mas não a deseja mais. Está amargurado com isso. Eu estou com bloqueio para escrever as crônicas que escrevo há cerca de oito anos. Parece que tanto ele como eu estamos frente à teimosia do corpo que apenas está dizendo não.
Ele quer que seu corpo diga sim para sua tão bacana mulher, com quem ele já teve um casamento delicioso. Eu quero que meus dedinhos teclem fluentemente sem que eu fique estagnada frente à página em branco.
Ele disse: “Estou numa sinuca de bico. Não sei o que fazer e isso me enche de culpa e dúvida. Detesto estar magoando alguém que amo muito, que sempre me ajudou em tudo e não quero me separar!”. E eu desligo o botão que diz que estou estourando os prazos para entregar a crônica.
Lembro de estar na noite do ano novo no jardim lindo da família do meu namorado. Sentei num balanço e pensei: esse lugar é incrível, essas pessoas também, mas aqui não é o meu lugar. E não era mesmo. Senão não teria tido os filhos que tive e nem meu namorado teria tido os dele. Já imaginou se eles não existissem?
Só que quando o vínculo é maior, mais longo, não queremos ir embora, mas muitas vezes uma parte foi. Apenas uma parte, outras ficaram. Outras estão. Meu amigo continua no seu casamento cheio de incríveis qualidades. Só que a parte que já foi embora continua lá também enchendo o coração dele e da mulher de sofrimento e dúvidas.
Ninguém nos ensinou a lidar com isso e acontece o tempo todo em muitos casamentos. O padre na Igreja, nem ninguém no cartório, nos deu um manual. O problema pode estar no “tem que”. Tem que transar, tem que investir no relacionamento, tem que não se decepcionar muito. Tenho que escrever a crônica. Do que vou falar se aqui dentro está tudo mexido, de ponta cabeça ultimamente? Obedeça, corpo! E ele não obedece!
O amor romântico também é como o vestibular: uma roupa muito apertada. Na paixão o Outro é TUDO. Depois, o tempo desnuda e as cabeças começam a bater, o desejo foge… Casamento é comunidade, mas isso nunca é dito. Espera-se que continue paixão, amor romântico, mas o que é, de verdade, é muito companheirismo pra tocar a vida junto, criar filhos, segurar a estrutura, montanhas de referências e coisas vividas junto. Não é pouca coisa, mas o que fica escasseando que é o desejo, esse movimento selvagem, rouba a cena e atormenta os envolvidos.
Só sei que estou aqui escrevendo mais uma crônica, graças a Mônica que me cobrou. Que bom, o bloqueio cedeu, ao menos essa vez. Ter aceito a dificuldade e fugido mesmo da raia, apesar do desconforto de não estar cumprindo o combinado, foi importante. Acho que o que dá para fazer, já que não temos manual, é sermos muito sinceros conosco e pesquisar nossos sentimentos. Reconhecer o que está acontecendo.
Perguntei para meu amigo: “Será que tem a ver com o fato de que a energia de vocês se voltou para os filhos pequenos?”. Pode ser, ele respondeu… mas por que diabos não aceitamos com naturalidade? Que desejo de mandar no curso do rio! Por que não aceitar que a parte fogosa do casamento acabou? Chegou a hora de acabar. Essa parte, não tudo.
Mas como viver sem carinho? Sem proximidade com um corpo? E se a mulher do meu amigo se cansa e vai embora? Muito difícil também. Enfim, não é fácil viver quando uma ou mais partes nossas estão em desacordo internamente ou com a realidade.
Meu amigo contou que sua mulher o ajudou tanto na vida, e quem sabe não está ajudando agora o enchendo de dúvidas, tirando-o da tal zona de conforto? Ele disse que vai fazer terapia. Isso! Sentar na frente de alguém e levar o coração dolorido. Enxergar com o terapeuta o território interior… descobrir os alicerces, as crenças que estão ali minando, confundindo. Ouvir o corpo rebelde antes que ele resolva falar de maneiras mais complicadas, como através da doença, por exemplo.
É… sem manual, sem certezas, sem obediência! Cada um tecendo sua vidinha. Mônica, aqui vai a crônica. Até que fluiu, até que as teclas colaboraram dessa vez… Ainda bem que não somos casadas!!! Seria mais complicado! Até a próxima!