17/06/2014
Aprendi a não tirar conclusões sobre mim mesma a partir das emoções que sinto. Ou seja, a raiva exagerada que meu amigo me contou que sente não é ele.
Ele se vê com raiva e conclui: “Sou um cara agressivo!”. Não, ele não é um cara agressivo. Ele tem, às vezes, muitas vezes talvez, emoções agressivas. Ele é, como todo mundo, algo muito mais complexo do que um rótulo desses.
É mais interessante se ele ampliar o questionamento e pensar porque ele tem essa emoção de modo que lhe parece exagerado. Por que o sistema de emoções dele fica maluco e ele briga demais?
Aí dá para começar uma investigação. E começamos... Ele disse que quando fica muito irritado no trânsito e xinga, em seguida se recrimina, se sente mal. Então quem sabe ele xinga para poder brigar consigo próprio, quem sabe mora dentro dele "alguém “que "não gosta” dele, que quer sempre brigar com ele? Duas forças assim dentro em oposição, criando tensão. Uma que age e outra que briga. Não me espanto então que ele exploda com frequência.
Quando essas forças começaram a morar dentro dele? Quando ele criou essa crença de que é um cara agressivo? Assim desembocamos na psicologia investigativa lá do passado. Existem linhas, (a Gestalt?) assim como o Budismo que se interessam muito mais pelo aqui e agora, e não pela pesquisa lá nos primórdios, quando os afetos foram sendo formados, quando éramos pequenos e criamos nossa auto percepção através da interação com os que estavam ali conosco.
Como queira! Se for no aqui e agora, meu amigo pode, então, ver sua raiva chegando, tomando todo os seus cantinho, levantando sua mão para fazer um gesto obsceno, sua boca se abrindo e saindo de lá sons que unidos tem um significado agressivo, que provoca no outro reações.
Em seguida pode perceber quando a voz começa lá dentro a dizer talvez: “ninguém nunca vai gostar de você porque você é um cara agressivo”. Aí ele pode sentir como vem um desgosto por causa da agressividade que mais uma vez escapou, piorado pela auto-recriminação. Pode também talvez perceber a vontade de sair daquele lugar incômodo e observar qual é a estratégia usada para sair. Culpar o outro? Tomar uma coca cola compensatória? Dar um chute no cachorro?
Vivo num lugar que me fala que a emoção é Rainha Tirana, que ela pode mandar e desmandar. Posso, por exemplo, xingar quando tenho ciúmes, sim, não pega bem, mas posso, me sinto nesse direito. Posso ansiar por meu amado me cubrindo de flores porque eu vi no filme, pessoas que amam de verdade cobrem de flores. Posso exigir que minha mãe me dê todo o apoio, afinal para que servem as mães? Posso falar mal daquela lá, ela merece, paquerou o marido da minha irmã. Vou me sentir esquisita se não tiver um namorado no 12 de junho. Meus olhos vão se aguar se meus filhos não lembrarem de mim no dia das mães. Preciso comprar brinquedos no dia das crianças...
Se deixar as emoções cuidarem da casa, ai, ai. Confusão na certa. Estou falando mal, mas gosto muito da presença delas me descabelando porque quando isso acontece a sujeira que quero colocar embaixo do tapete aparece. Elas, quando exageradas, são a ponta do fio que me leva para dentro de mim. Lá dentro tem dores, ferida.É disso que elas falam.
Quando ouço o que elas me contam de mim, descubro as crenças que me sustentam. As peças do meu quebra cabeça começam a se encaixar. Essas crenças que me guiam pelo mundo, pegando dele aquilo que pode confirmá-las.
Perceber as coisas desse jeito foi uma chave que fui forjando aqui e ali, a partir de leituras, conversas. Com ela agora aprendo a abrir minha casa de máquinas, tirando assim as sujeirinhas que travam o movimento. Para quê? Para livrar os outros de serem objetos das minhas emoções e para ganhar velocidade, voar, levitar, planar para ver minha linda Terra lá de cima, lá de dentro, aqui, agora!
O título “Livre, eu vou seguindo meu caminho” é frase de hino de Leo Artese
Foto: Ligia Vargas