10/06/2013
Fico sabendo que Neusa, a vizinha super gentil e risonha aqui da minha rua, tinha o sonho de viajar para a Europa. Foi e morreu atropelada lá, esses dias. Fiquei conversando com os homens que me deram a notícia e eles acreditam que quem é decente aqui na Terra vai para um lugar bom e quem não é vai para um lugar ruim.
Eu queria que morrer fosse despertar dessa coisa maluca que é ser humano.
Tem muitos dias em que é maravilhoso viver por mil razões, mas dá para resumir em três: quando há boa conexão com os outros; quando dá para sentir o esplendor da natureza; e quando me sinto no fluxo, naquilo que faz sentido.
Tem dias em que é muito estranho viver. Imagine se preparar para realizar um sonho acalentado de viajar e perder sua vida lá na realização do sonho? Ok, morreu no exercício de viver, que é como programou minha mortinha... mas coisa maluquinha essa de ser humano, ter um corpo vulnerável, consciência, emoções...
Muitas e muitas vezes me sinto prisioneira aqui, presa por nós mesmos, que criamos um jeito de viver maluco em que não tem o suficiente para todo mundo e salve-se quem puder para ter uma vida minimamente digna, e também prisioneira nessa condição humana.
Acordo todo dia nessa minha cela e gosto dela, porque nela tem as pessoas que amo, a família, os amigos e as ideias, os livros, a dança, a música e o tal do caramba a quatro, but, meu... quem tem a chave?
E a notícia é que se vai para um lugar ruim ou bom quando se morre, dependendo de como você agiu durante a vida, como acreditam os queridos com quem eu estava conversando? Quer dizer que a condenação continua?
O Budismo tibetano tem toda uma cartografia do pós morte e sei que se tudo der muito certo (Iluminação) é possível uma liberação da Roda do Samsara, que é a perpétua repetição do nascimento e morte.
Se não der certo, vamos lá para um dos seis ilusórios Reinos: dos Infernos, Fantasmas Famintos, Humanos, Animais... Ai, ai, assustador... por isso, acho, que o Rabino Nilton Bonder, numa palestra, falava da esperança.
Ele dizia que no movimento Hassídico, os rabinos, os rebbes, não eram grandes estudiosos da Torah. O que os faziam muito respeitados era o fato de que eles encaravam suas neuroses e assim iam ficando cada vez mais conscientes de si e isso fazia com que quem olhasse para eles sentisse esperança.
Esperança, imagino, seja sentir que tudo vale a pena mesmo sendo uma prisão, Esperança não é racionalização, esperança é vento fresco em dia quente, é céu azul de abril, é boiar no mar, é abraço, é reparação, é ter um vislumbre de que a porta da cela nunca esteve fechada, porque talvez nunca tenha existido uma porta, nem ao menos uma cela ...
Talvez eu esteja falando errado o que disse o Rabino... mas foi assim que eu senti... Estou com essa conversa toda amarga da prisão, mas eu gosto mesmo é da esperança... acho que tem muito trabalho bonito para fazer, para reverter essa armadilha na qual entramos em que o dinheiro é uma coberta pequena que é preciso ficar puxando do outro para se cobrir... Quando acontece algo no sentido oposto desse conceito de escassez, quando vejo a colaboração, o desejo e as ações de minimizar sofrimento a boquinha se abre e um sorriso gigante aparece e puxa, que bom, estamos no campo e o jogo é lindo!
Muitos anjos na arquibancada, na torcida! Não se deixe contaminar pela ideia da prisão, ao contrário, olhe para os anjos. Para o sexo deles para ter sobre o que discutir. Olha para o que faz rir! e vamos trabalhar para tornar nossa “Nave mãe Terra” um lugar bem melhor para viver e para todos!
* Em tempo: o Budismo Tibetano é lindo, o que escrevi aqui é apenas um mínimo recorte de uma visão muito profunda e ampla. Quanto ao Hassidismo, digo exatamente o mesmo.
Foto : Alberto Lefreve