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Planeta Eu

Enquanto não bate o vento forte... A filha de uma amiga derrubou, sem querer, seu óculos de cima do viaduto, que caiu lá embaixo na Raposo Tavares

07/05/2014



A filha de uma amiga derrubou, sem querer, seu óculos de cima do viaduto, que caiu lá embaixo na Raposo Tavares. Fui com sua mãe tentar resgatar. Quando a menina me falou onde tinha caído, vi uma brecha no trânsito e, sem pensar, atravessei a estrada. Parei ali onde tem o murinho que divide os dois lados da pista. Nenhum sinal do óculos por onde minha vista alcançava. Os carros passavam correndo, fazendo vento, alguns buzinaram, e aí percebi a enrascada em que tinha me metido. Como atravessar de volta essa estrada tão movimentada?

Logo vi que não podia deixar minha mente criar pânico e tinha que afinar o discernimento para poder olhar as três pistas simultaneamente. Demorou até que surgisse uma brecha mais ou menos segura. Tirei o sapato para evitar alguma surpresa, fiz sinal para os carros diminuírem e corri. Deu certo, afinal estou aqui podendo contar. Quando cheguei na calçada a menina tão querida me abraçou longamente, muito triste com o acontecido, afinal era um óculos muito caro, por ter vários requisitos especiais que seus olhos pedem.

Numa rua aqui próxima, garotos descem de skate e depois, quando vão subir, pedem carona. Gosto de vê-los por ali, ocupando a rua, e foi isso que disse a uma deles que, segurando na minha janela, voltava lá para cima. Ele contou que nem todo mundo pensa assim. Um morador do bairro, outro dia, desceu a rua com a porta do carro aberta jogando pedras e cimento, como um protesto bem concreto contra a ocupação da garotada.

De novo no carro, essa noite, os filhos e eu vimos dois cachorros grandes e um pequeno, todos de raça, andando no meio da rua. Era evidente que tinham fugido. Paramos e o pequeno, um pretinho de pelo todo enrolado, pulou para dentro. Logo dois outros carros se mobilizaram também e, trocando informações, descobrimos de onde eles saíram. O guarda da rua tinha fechado o portão aberto e o pessoal dos carros conseguiu fazer os cachorros virarem na direção certa e eles acabaram voltando. Ficamos ali no impasse, porque os maiores podiam ser bravos e ninguém se sentia seguro para voltar a abrir o portão para eles entrarem. Finalmente um dos cães supostamente agressivo se aproximou de mim, dando tempo para agir. Portão aberto, eles entraram. O dono nem ficou sabendo que oito pessoas tinham protegido seus cães.

Hoje a tarde estive num bazar de dia das mães. Fiquei reparando nas pessoas. Um trio conversava sobre o câncer que as três tinham tido. Uma delas ficou com os olhos cheios de lágrimas. Depois vi uma avó encontrar uma amiga e ambas foram olhar o neto dela. A amiga chorou de emoção e contagiou assim a avó, vendo a cena, a mãe do nenê também chorou.

Mais tarde, reparo em outra moça, seu olhos estavam marejados. Voltando da aventura com os cachorros fujões, vou para meu quarto e, pensando em minha filha que vai sair numa viagem longa, sinto muita vontade de chorar. Logo depois ela vem e se deita ao meu lado, olho para o seu rosto tão querido e seus olhos estão inundados de saudade antecipada, ela me diz. Pronto! Sou eu a chorar também.

Lá vão ela e seu namorado espanhol para um encontro muito hippie lá no Acre. Viajam num ônibus que vai atravessar muitos estados, por vários dias, até chegar lá, na Amazônia, num acampamento no meio da mata. Com o coração apertado de mãe, agora na madrugada, lembro que um grande amigo que mora no Rio de Janeiro me falou que vai nessa exata viagem. “Por que você vai?” Perguntei, quando ele contou há um bom tempo atrás, quando nem minha filha sabia que ia. “Estou muito acomodado, preciso me mexer”, ele respondeu. Que alivio! Eu o conheço desde muito nova e agora lá vai ele de anjo da guarda da minha filha.

Vida assim, tecida de coincidências, encontros, ajudas, aventuras, lágrimas, sorrisos. Que maluquice que é ser humano, ter esses corpinhos que não passam de dois metros de altura, cheios de emoções, pensamentos, ações. Tão pequenos somos nessa escala tão grande, nessa imensidão do céu sobre nossas cabeças. Tão frágeis, tão vulneráveis, pousados por um tempo na palma da mão da existência, até que um vento mais forte sopre e pronto! Deixamos a nave mãe para também viajar ....

O casal viajante na foto de Taís Vargas.


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Jany

Escritora e Focalizadora de Dança Circular no UlaBiná.

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