27/08/2014
Um rapaz, num momento de tristeza, me disse: “tenho ainda tantos anos para viver. Isso é muito cansativo!” Pude compreender perfeitamente o que ele dizia, porque eu também andava sentido o peso da vida, especialmente depois de ler uma frase que dizia: “nós todos, sem exceção, vamos nos separar de todas as pessoas que amamos, mais dia, menos dia”.
Essa constatação produz uma dor enorme, não é? Em mim, é dilacerante.
Aí me lembrei da maior aspiração do budismo: liberar as pessoas do sofrimento, e por isso fui ler a respeito. Olha o que aprendi:
Dividimos o mundo em gosto e não gosto; quero e não quero. Se tenho o que gosto e quero, fico com medo de perder e, na verdade, um dia vou perder mesmo e isso produz dor. Se tenho que conviver com o que não gosto fico descontente, sofro também. Ou seja, temos uma maneira de entender o mundo que produz sofrimento.
Na verdade, fazemos isso, em última análise, para tentarmos nos proteger ficando só com o que gostamos e procurando afastar o que nos parece ruim, imaginando que assim podemos ter algum controle em relação a inevitabilidade do sofrimento.
O que o Budismo diz em relação a isso é que estamos protegendo um Eu que não existe. Para explicar isso há uma metáfora que diz que somos o oceano, e que esquecemos disso pensando que somos apenas ondas que se movimentam para lá e para cá, e que quando veem a praia se aproximando, se assustam, acreditando que vão morrer na areia. Não há como o oceano sumir na praia, ele não se acaba porque a onda se desfez na areia. A onda é o oceano e ela continua sendo oceano, mesmo quando não mais na forma de onda.
Foi isso que o príncipe Sidarta descobriu ao meditar embaixo da árvore. Ele viu que se não há um eu, também não há aquilo que esse eu cria, acredita. Ele despertou desse sonho criado pelos eus e pôde enxergar o oceano que ele é, que todos são. E por isso ele passou a ser chamado de Buda, aquele que despertou.
Conseguir ter esse olhar não é algo que se conquiste, na verdade é uma questão de tirar da frente aquilo que atrapalha ver. Tirar a identificação com esse eu. Não acreditar mais que somos nossas emoções, nosso endereço, posição social, visão de mundo, mesmo por que essas atribuições que conseguimos, assim como tudo, deixam de existir em algum momento, tudo se transformando sem parar sob a ação da impermanência. Falando dela, aqui vai um texto escrito por Chagdud Tulku Rinpoche, que foi quem criou o templo Odsal Ling, aqui na Granja, onde moramos:
“A vida é como um piquenique em uma tarde de domingo — ela não dura muito tempo. Só olhar o sol, sentir o perfume das flores ou respirar o ar puro já é uma alegria. Mas se tudo o que fazemos é ficar discutindo onde pôr a toalha, quem vai sentar em que canto, quem vai ficar com o peito ou a coxa do frango…, que desperdício! Mais cedo ou mais tarde o tempo fecha, a tarde cai e o piquenique acaba. E tudo o que fizemos foi ficar discutindo e implicando uns com os outros. Pense em tudo que se perdeu.
Você pode estar se perguntando: se tudo é impermanente, se nada dura, como pode alguém viver feliz? É verdade que não podemos, de fato, agarrar ou nos segurar às coisas, mas podemos usar esse conhecimento para olhar a vida de modo diferente, como uma oportunidade muito breve e rara. Se trouxermos à nossa vida a maturidade de saber que tudo é impermanente, vamos ver que nossas experiências serão mais ricas, nossos relacionamentos mais sinceros, e teremos maior apreciação por tudo aquilo que já desfrutamos.
Também seremos mais pacientes. Vamos compreender que, por pior que as coisas possam parecer no momento, as circunstâncias infelizes não podem durar. Teremos a sensação de que seremos capazes de suportá-las até que passem. E com maior paciência seremos mais delicados com as pessoas a nossa volta. Não é tão difícil manifestar um gesto amoroso quando nos damos conta de que talvez nunca mais estaremos com a nossa tia-avó. Por que não deixá-la feliz? Por que não dispor de tempo para ouvir todas aquelas histórias antigas?
Chegar à compreensão da impermanência e ao desejo autêntico de fazer os outros felizes nesta breve oportunidade que temos juntos, constitui o começo da verdadeira prática espiritual. É esse tipo de sinceridade que efetivamente catalisa a transformação em nossa mente e em nosso ser.
Não precisamos raspar a cabeça nem usar vestes especiais. Não precisamos sair de casa nem dormir em uma cama de pedras. A prática espiritual não requer condições austeras — apenas um bom coração e a maturidade de compreender a impermanência. Isso nos fará progredir.”
Pois é, sábias palavras...
*Trecho do livro “Portões da Prática Budista”, ensinamentos essenciais de um lama tibetano de Chagdud Tulku Rinpoche (foto)