03/02/2014
A Terra não tem luz própria como têm as estrelas. Ela é escura. A claridade que nos encontra toda manhã vem do Sol, nosso astro Rei, nosso pai que nos dá a vida.
A Terra é nossa mãe, enfeitada, complexa, bela que se vira em volta do seu eixo, permitindo assim que todos seus cantos recebam a luz dourada do Pai.
Não conseguimos magoar o Sol. Já ela, a Terra, sofre com nosso mau gosto, nossa capacidade de destruir, de exagerar maculando demais a paisagem.
A água da Terra não vem de outro lugar senão daqui mesmo. Ela vai do céu para a Terra continuamente: despenca na cachoeira, corre no rio, salga no mar, passeia na nuvem e nós a sujamos quando passa por nós.
Hoje é sábado, à noite. Alguns jovens que encontrei estavam cansados. Eles tinham passado o dia acompanhando uma senhora aposentada, que acorda bem cedo todos os dias, prepara muita comida e sai pelas ruas indo aos pontos que ela conhece para alimentar gatos de rua. Os jovens queriam saber onde encontrá-los, para poder cuidar deles e castrá-los.
São voluntários, fazem isso porque o coração manda.
Anjos! Dos gatos, ao menos. Anjos que não tem asas visíveis, e têm, como todos, contas a pagar, endereço fixo, talvez até frieira !
São talvez os Bodhisattvas do Budismo, que, entre outras definições, são pessoas que se dedicam a ajudar os seres vivos.
Para defini-los melhor aqui vai um trecho do livro “Práticas que apóiam Dzogchen: A Grande Perfeição do Budismo Tibetano” de Neal J. Pollock:
“Três pessoas estão andando por um deserto. Seca e sede, eles espiam um muro alto à frente. Eles se aproximam e circulam o muro, mas não tem entrada ou porta. Um sobe nos ombros dos outros, olha para dentro, gritando "Eureka" e pula para dentro. O segundo, em seguida, sobe e repete as ações do primeiro. O terceiro laboriosamente sobe o muro sem assistência e vê um luxuriante jardim. Ele tem água fresca, árvores, frutos etc. Mas, em vez de saltar para o jardim, a terceira pessoa salta de volta para o deserto e procura andarilhos do deserto para falar sobre o jardim e como encontrá-lo. A terceira pessoa é o Bodhisattva.”
Esses jovens Bodhisattvas e a senhora aposentada não cuidam só dos gatos. Dessa maneira cuidam também de mim, de você, de todos, do planeta enfim. Mesmo assim, acredito que ela, eles, possivelmente os gatos, eu e você, quase nunca pensamos na água que sujamos, nem no Sol que nos garante cotidianamente a vida.
Abençoados e tão esquecidos que somos!
* O título é inspirado na canção Terra de Caetano Veloso.
Foto: Pedro Vargas.