19/02/2015
Viajar me faz ver que eu sou a dona de mim e que estou onde me coloco. Há tantos lugares no mundo, tantas pessoas diferentes e eu! É aqui o meu pedaço e eu sou eu! Para o bem e para o mal.
Comigo ando pra todo lado e quando fico só percebo melhor em que companhia me meti. No silêncio me noto mais. Ouço o que vai na minha cabeça, de que matérias e abstrações sou feita. Puxa! É minha essa perna, esse dentinho torto, meu mindinho amado, minhas obsessões, lembranças ... Tenho também hábitos, vícios, e estratégias para mantê-los. O hábito de não querer me afastar do que tenho e acho belo, por exemplo. Como uma boa taurina compro coisas bonitas (comprava! novos tempos!) e tudo se perde na bagunça da casa.
Ouvi o Lama Padman Santen dizer mais ou menos assim : “os objetos nos dominam, fazem com que arrumemos lugares para eles ficarem, demandam nossa atenção, no mínimo para tirar o pó.” Eu sou mesmo dominada pelos objetos, tenho muitos e não consigo me desfazer, porque tenho o raciocínio da escassez: “Não vou descartar porque um dia posso precisar!” Não penso no verbo desvencilhar, que significa: “Ficar livre; tornar-se liberto ou solto”
Em casa, os objetos me entulham, mas viajando fico no essencial. Amo ter um só sapato, quatro vestidos para muitos dias. Carregar uma bagagem leve. Quando volto para casa reencontro todo o meu excesso e, mais uma vez, começo a arrumá-lo em busca de me desvencilhar. Eu, a dona de mim, me coloco num embate com as coisas.
Penso numa conhecida viciada em cocaína. Observo como a droga se torna uma entidade que a acompanha. Ela organiza a vida para encaixar a compra e os momentos em que pode cheirar. A droga a pega pela mão e a leva pra lá e pra cá. O que ela ganha em troca? Uma sensação boa. Por que a sensação boa é algo a se perseguir mesmo causando o prejuízo de levar boa parte do seu dinheiro e de fazer mal ao seu nariz? É como uma fome? Uma necessidade?
Imagino que se eu tivesse um filho muito viciado, e pudéssemos, eu viajaria com ele por longos meses. Para anular o hábito, para abrir a janela do mundo, para ele ver que há outras maneiras de ser. Nos lugares diferentes percebi que aquela que sou se enfraquece e se abre a possibilidade de me reinventar. Já no meu lugar de sempre a tendência é eu me repetir.
A coca cola, por anos, vinha buscar constantemente dinheiro da minha carteira, aí fiz uma promessa. Já faz um ano. Agora que viajei, várias vezes tive vontade de tomar, mas não cedi. Meus pesos colombianos não foram para ela, a Dona Coca. Ficaram no cenário local, movimentando a economia daquele lugar, sem viajar para cofres já muito abastados.
Sempre achei que devia obedecer meus impulsos, achava que isso significava liberdade. Até descobrir que dentro de mim moram muitos tiranos que não estão nada interessados no bem estar da minha nação. Muitos deles não tem escrúpulos de prejudicar essa boa hospedeira.
Ouço minhas amigas me contando das suas vidas e percebo que elas não se dão conta que são donas de si e que escolhem a vida que vivem e muitas das coisas que fazem. Como acabei de voltar da viagem estou conseguindo me ver de fora, me ouvir, não me obedecer tanto... Quero ser uma boa patroa para mim! Sei que daqui a pouco o redemoinho hábito já vai me fazer acreditar que não tenho escolhas, que a vida já está pronta e que não há a boa vertigem feita apenas de respirar o ar, esse puro néctar. Mas hoje ainda não me perdi de mim. Hoje ainda estamos eu e eu sentadas na alta montanha, olhando o feitio do mundo, respirando, enquanto o sol aparece, generoso, mais uma vez, para iluminar o palco da minha vidinha. Que eu esteja sempre mais e mais consciente de que a dona do meu pedaço sou eu!