05/10/2023
Por Sonia Marques*
Uma delícia poder fazer parte do seleto grupo de
colunistas do Site da Granja. A ideia dessa coluna é trazer história e estórias
do nosso cotidiano, com os mais variados temas possíveis, que na linguagem
jornalística chamamos de Crônicas, meu estilo favorito.
E como estamos iniciando próximo ao dia das
crianças, decidi abrir com uma homenagem às crianças, principalmente às
crianças que fomos um dia e que decerto ainda vivem por aí, no nosso interior.
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O Eduardo – Dudu para os íntimos, meu sobrinho de 7
anos, com a peculiaridade e curiosidade das crianças me abordou logo que
chegou em casa:
- “Tia, sabe o Dudu”?
E eu com toda minha superioridade de adulta fui
logo respondendo:
- “Claro que sei, tô falando com ele, meu sobrinho
preferido”.
- “Não tia, tô falando do Dudu da revistinha,
aquele da turma da Mônica!
(quando eu era criança isso era Gibi, e a turma se
resumia apenas a Mônica, Cascão, Cebolinha, Bidu e mais alguns, Dudu não tinha
não).
Bem, personagens localizados, Dudu (o meu e não o
do Mauricio de Souza), estava intrigado para entender o que ou quem eram os
“escravos de Jó” e foi logo lembrando e concordando com o questionamento de seu
xará:
- “Oras, por que escravos e não funcionários, amigos,
parceiros de Jó?”, indagou. “Escravo não é correto”, emendou.
Nisso nós dois concordamos. Mas o que ele queria
mesmo saber era o significado da cantiga de roda “Escravos de Jó”, que o Dudu
do Gibi cantava, e que também embalou a minha infância e com certeza a
sua. “Mas esse moleque tinha que perguntar isso logo cedo?”, pensei. Confesso
que passei a vida toda meio sem entender a música, mas não tive a mesma
curiosidade do Dudu. Mas fui logo pra internet, afinal o Google é nosso maior
aliado nessas horas.
Vamos ouvir mais um pedacinho da música?
“Escravos de Jó
Jogavam caxangá
Tira, põe
Deixa ficar
Guerreiros com
guerreiros
Fazem
zigue-zigue-zá
Guerreiros com
guerreiros
Fazem
zigue-zigue-zá”
Em algumas
versões ainda tem o Zé Pereira ou o Zebelê e a letra fica assim:
“Tira, põe
Deixa o Zé Pereira ficar”
Ou
“Tira, põe
Deixa o Zabelê ficar”
Em todos os lugares em que pesquisei, com
historiadores e outros curiosos tentando descobrir o significado da música,
chegamos a seguinte conclusão:
Primeiro ponto:
o que era caxangá?
Segundo o Dicionário Tupi-Guarani-Português, de
Francisco da Silveira Bueno, caxangá vem de caá-çangá, que significa “mata
extensa”. Já para o Dicionário do Folclore Brasileiro é um adereço usado pelas
mulheres alagoanas. A palavra também já foi associada aos saquinhos utilizados
no contrabando de sementes para as senzalas e ainda pode ser aqueles gorrinhos
usados pelos marinheiros e até um tipo de caranguejo (mais a frente, vai
perceber que essa versão se encaixa melhor ao que buscamos)
Para ajudar no
entendimento, quem era Jó?
Um personagem bíblico. Um homem muito rico, com
muitos bens, muitos criados e 10 filhos. De acordo com o Antigo Testamento, com
autorização de Deus ele teria sido testado pelo Diabo. Deus teria apostado (e
ganhou) que ele, mesmo perdendo toda sua riqueza, sua saúde e sua
família, se manteria fiel a Deus. E assim o Diabo fez, tirou tudo de Jó, mas
ele se manteve firme na sua fé. Daí o termo “paciência de Jó”.
Mas por que os escravos de Jó jogavam caxangá? Ah,
vale dizer que não há registros de que Jó tinha escravos.
Já sobre os guerreiros que faziam zigue, zigue, zá,
Ana Virginia Balloussier escreveu na Revista Super Interessante que “o
mais provável é que a cultura negra tenha se apropriado de sua figura para
simbolizar o homem rico da cantiga de roda. Os escravos que faziam o zigue
zigue zá seriam os fujões, que corriam em ziguezague para despistar os
capitães-do-mato”.
Outros pesquisadores chegaram a conclusão de que a
música pode ter passado por uma espécie de “telefone sem fio” em que as
palavras foram sendo distorcidas até chegar nesse final.
O Dudu (o meu sobrinho perguntador), já cresceu e
nem se preocupa mais com esse tipo de assunto e muito menos lê o seu xará dos
quadrinhos.
Hoje eu diria a ele que uma vez que não há
registros de que Jó tinha escravos, talvez ele seria um daqueles que não
concordavam com a escravidão e ajudava os escravos a fugirem em zigue zague, jogando
caxangás, que no caso seriam os saquinhos com sementes que tinham sido levadas
para as senzalas e assim distribuíam sementes pela mata.
E você, conseguiu entender o significado dessa
cantiga de roda? Qual seria sua explicação?
Em tempo: Ah, e o Zé Pereira e o Zabelê? O que fazemos
com eles? Deixamos entrar? Tira ou põe?
Crédito da foto: Imagem de rawpixel.com no Freepik
Para ouvir: on.soundcloud.com/oiyWd