31/03/2022
Quem não experimentou algum assombro nos últimos dias, semanas e meses com as situações e fatos externos, no país ou no mundo? Que assombro não se intensificou com a notícia de uma nova guerra em pleno século XXI, transmitida em imagens ao vivo nesta nossa era de comunicação tão sofisticada e ágil?
O ambiente de polaridade e agressividade/violência persiste ao redor do planeta, apesar de todo o esforço para se fazerem valer direitos humanos, apesar de tanto empenho pela inclusão, pelo não preconceito e pelas negociações ou formas de convivência e de vida mais pacíficas.
O título deste artigo bem poderia ser “pare o mundo que eu quero descer”, não fosse o fato de não termos onde descer. Por que, então, o caldo tenso das cenas de guerra, negociações que não avançam, pessoas em fuga e outras tragédias humanas esta semana ainda foi atravessado pela patética cena da piada infeliz e do tapa na cara numa festa glamorosa, protagonizada por dois homens negros (pressupõem-se que conscientes das várias questões sociais e políticas do mundo) e ricos, muito ricos?...
Nem vou me alongar nisso. Tantos já opinaram a respeito. Apenas expresso aqui que para mim foi um grande retrocesso todo o ocorrido, do começo ao fim um fato “anti-qualquer-avanço-já-feito”, um desserviço, um grande assombro. Considerando a visibilidade da dita cerimônia e das pessoas envolvidas, o que aconteceu no palco glamoroso foi mais uma das lamentáveis atitudes bélicas, em palavras e em gestos, inimaginável e deplorável.
Por que esse tipo de coisa tem acontecido e não para de acontecer? Qual a razão desses eventos que fazem do mundo um lugar tão hostil? Alguma conjunção planetária envolvida nos últimos acontecimentos? Motivo de desesperança, indiferença ou de desespero?
Tantas pessoas no mundo, tantas variadas reações. Enquanto alguns avançam, outros promovem sérios retrocessos; enquanto alguns se compadecem, outros logo esquecem o assunto; enquanto alguns leem com certo distanciamento as notícias recentes, outros muito se inquietam. E mesmo uma inquietude pode levar a diferentes destinos: alguns arregaçam as mangas, outros podem perder a esperança – na vida e na própria humanidade.
Como manter saúde mental diante de um cenário assim? E o que seria saudável nesta situação – indiferença é proteção? Desespero significa estar mais conectada(o) com a realidade? Enfim, existe alguma forma de se proteger do sofrimento psíquico causado por eventos como guerra, violência, agressividade e tantas incertezas?
Não acredito que a Psicologia possa banir de nossas vidas todo tipo de frustração, sofrimento e dor, oferecendo um almejado/suposto estado paradisíaco, livre de vales e depressões. Ao invés disso, penso ser mais saudável o delicado ajuste de experiências e sentimentos. Impossível não ser afetada(o) pela guerra neste planeta, a não ser que estejamos numa bolha de fantasias e indiferença. No outro extremo, o desespero e a desesperança de nada servem, porque, a não ser que estejamos em meio ao campo de batalha ou algo parecido, sofrendo uma ameaça mais direta à própria vida, desespero é apenas um estado alarmista, que também não está em contato com a realidade. Não temos controle, isso é um fato. Mas nunca temos controle de fato. E ainda assim vamos sempre precisar acordar, levantar, nos alimentar, trabalhar e todas essas coisas que mantém a vida em funcionamento.
Mas queria tocar também na questão da indignação. Diante de fatos injustos ou absurdos é comum que ela nos tome como uma atitude consciente e correta. Mas existe um problema com a indignação. Se observarmos bem, muitas vezes quando estamos indignadas(os) nós assumimos a posição de sermos uma expressão mais que perfeita da correção moral e ética sobre a face da Terra e desse lugar observamos com prepotência e raiva o absurdo das atitudes e ações de outras pessoas.
Não é por isso que as redes sociais se enchem sempre e muito rápido de opiniões e julgamentos? Elaborar um bom raciocínio e julgar é fácil. Não requer muitos minutos, às vezes alguma pesquisa sobre o que outras pessoas estão pensando também e lá se tasca uma opinião “pessoal” sobre o tema...
Pois tenho pra mim que o melhor seria avaliar quantos Chris Rocks irresponsáveis e Wills Smiths destemperados existem dentro de mim. E até personagens piores. Por que não? Usar essas situações todas para uma boa autoavaliação e para fazer algo na direção contrária e construir condições melhores, tanto pessoal quanto coletivamente, talvez nos dê mais trabalho e nos ocupe mais positivamente, mas talvez seja a única coisa possível e que valha a pena num cenário assim.
Uma vez que não temos controle de tudo, penso que vale tentar manejar de uma forma melhor o que está ao nosso alcance, em nossas próprias vidas. Já que não é possível fazer o mundo parar para que possamos descer, seguimos.