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Cotidiano & Psicologia

Hora de falar de amor por Iana Ferreira

12/06/2024




Assunto tão amplo, que é difícil fazer caber num artigo. Mas quem vai mentir que ele não povoa a nossa mente, deita ou senta-se à mesa conosco todas as noites e dias em alguma medida?  Então, por que não, precisamos falar de amor.

E a primeira pergunta que surge é se já tivemos o privilégio de conhecer de fato o amor. Entre os arroubos da adolescência e uma possível desistência depois das decepções amorosas naturais da vida humana, quantos de nós já experimentou de fato amar?

Junto vem a dificuldade inicial do tema: para responder a uma pergunta como essa, precisamos definir do que estamos falando exatamente. Afinal, o que é o amor? Muitas vezes incerto e fugidio, infelizmente enganoso em várias ocasiões, certamente sempre surpreendente, o que é esse sentimento humano tão essencial?

Um bebê, ainda que seja alimentado e tenha outras condições físicas garantidas, é capaz de morrer ou apresentar graves sequelas de desenvolvimento caso não receba amor. E nós, adultos, ainda que não tenhamos nossas vidas ameaçadas, também experimentamos inúmeros danos bastante sérios causados pela solidão.

Aqui não se trata "apenas" de uma questão emocional ou comportamental, mas de uma experiência que interfere diretamente na própria bioquímica do nosso corpo, que sofre com a ausência de hormônios de bem-estar e se intoxica com a presença daqueles liberados em situação de estresse e desconforto. Solidão e isolamento, ausência de vínculos significativos e intimidade e as várias formas de exclusão são causa central não só de quadros sérios de ansiedade e depressão, mas também de adoecimentos físicos dos mais diversos, notadamente doenças cardiovasculares e demências, além de figurarem em metade dos casos de suicídio efetivados ou não.

Sendo assim, o fato é que precisamos nos autorizar a falar de amor e, especialmente, a entendê-lo melhor. E para começar é preciso compreender: afinal, o que buscamos quando queremos amar? Pensando no âmbito da relação amorosa mesmo, esta que é tão celebrada nesta semana de dia dos namorados, o que leva duas pessoas que não se conheciam a, de repente, se sentirem tão próximas e íntimas a ponto de quererem compartilhar uma vida, talvez uma casa, o dia a dia e a ter planos em comum?

Observando psiquicamente, o amor nos arrebata de nós mesmos, diminuindo a parcialidade da experiência que, antes dele, partia exclusivamente do próprio ego ou eu. Essa ampliação da experiência pessoal pode ser muito arrebatadora. Nela experimentamos o interesse pelo outro, alguém por quem de repente nos sentimos encantados e que captura a nossa atenção, tempo e energia. Esse deslocamento de si produz leveza e bem-estar, o que, a propósito, se assemelha em muito ao funcionamento da maior parte das substâncias que nos dão prazer, incluindo as drogas.

Ao mesmo tempo, no amor, nós nos enxergamos a partir do encantamento do olhar desta outra pessoa, que de igual forma parece se interessar por nós e nos validar, admirar e nos colocar num lugar de atenção e de importância na sua vida.

Pois bem, aqui talvez comece toda a confusão. Avancemos devagar.

Quando conseguimos sair um pouco do interesse exclusivo por nós mesmos, experimentamos um tipo de felicidade especial. Isso é bioquímico. E não fica restrito apenas ao amor romântico, mas, em diferentes intensidades, aparece sempre que nos interessamos e cuidamos de qualquer outro significativo, sejam os filhos, os amigos, um animalzinho e até mesmo um projeto ou empreendimento pessoal. Aí nos movemos para além das barreiras do próprio eu autocentrado e isso tem a potência de gerar prazer.

A confusão começa, vejamos bem, pelo fato de que, depois de experimentar este prazer, não identificarmos seu mecanismo e o nosso próprio papel essencial na sua constituição. Atrapalhados pelo engano, passamos a desejar que a outra pessoa, ser ou condição esteja ao nosso lado mantendo intensa e permanentemente o nível de prazer e felicidade em nossas vidas, algo que passamos a supor que esteja vindo de fora de nós. Bom e aí inauguram-se todos os desencontros, frustrações e decepções. É ou não é? Afinal, o outro não irá dedicar a sua vida a nos satisfazer. E, ainda que tente, não tem essa capacidade extraordinária.

Daí a concluirmos que nos dias de hoje o amor não existe, que o mundo está perdido ou que "os homens isso", "as mulheres aquilo" e toda forma de generalização problemática é um passo muito rápido. Que pena! Pena, porque já entendemos toda a importância vital que a experiência de amor tem.

Mas, então, precisamos avançar mais.

Tentando simplificar e não desistir do tema tão complexo, para saber o que É o amor e o que de fato podemos buscar, talvez seja muito útil saber o que ele NÃO É. Amar simplesmente NÃO É desejar um outro permanentemente ao nosso lado desempenhando a função de nos fazer felizes porque enfim somos apoiados, valorizados, admirados, nos sentimos pertencentes, considerados e compreendidos ou porque temos atendida qualquer que seja a nossa necessidade afetiva mais intensa.

Isso com certeza é a forma infantil de se vincular, em que a criança, que é naturalmente muito autocentrada, ainda não sabe considerar os outros, ceder e dividir etc. etc. Tudo se dirige para ela, para os cuidados com sua vulnerabilidade e dependência. Natural nessa fase, problemático se perdura.

Fato é que fica fácil ver a partir daqui que normalmente o que acontece é que perdura! Nós nos mantemos na posição do egoísmo infantil e, no fundo, aquilo que chamamos de amor e que costuma nos causar tantas aflições e sofrimento simplesmente não é amor, mas talvez o seu oposto. Ao tentarmos nos vincular de uma forma ainda tão imatura, perdemos de vista o mecanismo de felicidade que vem de nos ampliarmos para além de nós mesmos, olhando, cuidando, nos interessando, admirando e nos voltando para um outro ser.

Sem dúvida, a recíproca precisa acontecer e também é ponto essencial da experiência e do bem-estar que ela produz. Por isso, certamente não deveríamos nos demorar onde o vínculo e as trocas não estão em equilíbrio. Mas, dito isso, é fundamental que olhemos para nós mesmos e o nosso papel no amor.

Essa é a maturidade maravilhosa que uma experiência real de poder amar sempre irá demandar de nós. Um aprendizado para toda a vida, afinal o que buscamos é certamente o sentimento humano mais transcendente.

Apesar de tamanho desafio, vale muito a pena. Afinal, minha gente, além de tudo, há algo mais afrodisíaco que o amor?

Um prazeroso dia dos namorados, para quem está acompanhada(o) ou não, afinal a capacidade de amar é interna e só podemos vivê-la a partir de nós mesmas(os). O que buscamos fora está, mais do que nunca, dentro, muito mais perto do que imaginamos, bem menos fugidio e incerto do que supomos, bem mais ao nosso alcance do que pode parecer.



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Iana Ferreira

Apaixonada pelos mistérios da psique e do autoconhecimento, com formação em musicoterapia pela Faculdade Paulista de Artes e em psicologia pela Universidade de São Paulo, USP.
"A palavra, escrita ou falada, também é para mim um grande instrumento e paixão – por tudo que revela e que invariavelmente consegue ocultar."

Site: entretexto.com

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