23/07/2008
Desde o surgimento dos chamados novos antidepressivos, na década de 80, muito tem se falado sobre depressão. Esses medicamentos rapidamente se tornaram os mais prescritos nos Estados Unidos, à frente de anti-hipertensivos e analgésicos, por exemplo. Muitas pessoas chegam a dizer que “estão deprimidas”, quando na verdade estão tristes ou enfrentando algum problema em suas vidas. Será que isso é depressão? E, afinal, o que é depressão?
Um episódio depressivo caracteriza-se por um período de tempo no qual, de forma persistente, o paciente tem como sintomas centrais o humor triste e a perda de prazer em suas atividades. A tristeza é muitas vezes sem causa aparente; pode até haver um evento de vida desencadeante, mas claramente excede a reação que seria esperada diante de uma desilusão ou perda (embora nem sempre seja óbvio fazer essa distinção). Alguns têm dificuldade em falar sobre seus sentimentos, e, ao invés de referir tristeza, apresentam queixas físicas (dores generalizadas, por exemplo). Em outros casos, principalmente em crianças e adolescentes, o humor é mais irritado do que triste. Quanto à perda de prazer, observa-se que a pessoa deixa de querer fazer coisas que antes gostava; ela pode até manter suas atividades, mas terá que se esforçar muito para isso, e geralmente prefere ficar isolada e sem conversar.
Além desses sintomas, outros sinais levam à suspeita de que a pessoa está em um episódio depressivo. A insônia é muito comum, geralmente na parte final da noite (o paciente acorda de madrugada e não consegue dormir novamente). Outros sintomas comuns são a sensação de fadiga, a falta de energia, e a dificuldade em se concentrar – passa a ser difícil realizar tarefas simples. Isso muitas vezes é confundido com preguiça ou má-vontade, mas na verdade se trata de uma característica da depressão. Em relação ao apetite, o mais comum é que haja uma diminuição, com conseqüente perda de peso; em alguns casos, especialmente quando sintomas de ansiedade estão associados, ele pode aumentar. Alterações na movimentação são também características da depressão, seja para o pólo da agitação e inquietação, seja uma diminuição e lentificação dos movimentos.
O paciente deprimido geralmente tem grande sentimento de culpa e desvalorização, sente-se muito mal com coisas pequenas, e pode dizer, por exemplo, que ele só serve para atrapalhar a família e dar trabalho. Devemos estar atentos a esses sintomas, pois sua presença aumenta o risco de suicídio. Pensamentos e desejo de morte ou suicídio são outros sintomas da depressão; estão presentes em episódios de maior gravidade, e deve-se procurar atendimento médico com urgência. Quando existem tentativas suicidas anteriores frustradas, ao contrário do que pensam alguns, o risco de suicídio efetivo é ainda maior, e é preciso ter cuidado.
Nem todos esses sintomas precisam estar presentes para se fazer o diagnóstico; geralmente, o paciente apresenta alguns deles, o que já é suficiente para que seu cotidiano seja seriamente afetado, e para que os familiares e amigos próximos percebam que algo está diferente com a pessoa. Diante de suspeita de depressão, uma avaliação psiquiátrica deve ser buscada, para esclarecimento diagnóstico. Não podemos esquecer que várias doenças clínicas – como hipotireoidismo, doenças cardíacas, Parkinson, e até câncer – podem apresentar sintomas que se sobrepõem aos da depressão, e só o especialista pode fazer o diagnóstico diferencial adequadamente. Uma vez feito o diagnóstico, o tratamento deve ser prontamente iniciado; geralmente isso é feito no consultório, mas casos mais graves – com pensamentos de suicídio ou grande perda de peso, por exemplo – podem exigir internação. Quanto à escolha do antidepressivo, esta é feita de acordo com as características do quadro, o perfil clínico do paciente (doenças associadas, uso de outras medicações, tolerância a efeitos colaterais), e o uso anterior de antidepressivos. O número de episódios também influi no tratamento – sabe-se que quanto mais episódios de depressão uma pessoa teve ao longo da vida, maior a chance de ter um novo episódio, e pior será a resposta à medicação.
Outras doenças psiquiátricas estão associadas à depressão. No transtorno bipolar do humor, por exemplo, há episódios depressivos intercalados com episódios de mania – a pessoa fica extremamente agitada, acelerada, fala mais que o habitual, faz gastos excessivos, necessita de menos horas de sono, pode ter comportamentos de risco, e ficar hipersexualizada. Nesses casos, o tratamento é bastante diferente – o uso de antidepressivos pode piorar o quadro, e só é indicado em situações bastante específicas. É importante relatar se há alguém na família com essa doença (que tem um forte componente genético, ainda maior que o da depressão), e se já houve uma reação ao antidepressivo semelhante às descritas acima (quadro de mania). Sintomas ansiosos, abuso e dependência de drogas ou álcool, são outras doenças psiquiátricas que podem coexistir com a depressão.
A depressão é uma doença grave, que afeta pessoas de todas as idades, causando importante prejuízo para seu funcionamento social, e alto grau de sofrimento psíquico. É bastante comum – estima-se que de 20 a 30% da população terá ao menos um episódio na vida – e tem tratamento eficaz. Estar atento a seus sinais e sintomas é importante, pois o diagnóstico precoce melhora muito a resposta ao tratamento. É claro que é preciso cautela para estabelecer o diagnóstico – não podemos transformar a tristeza, aquela que faz parte de nossas emoções e experiências, em doença. No entanto, quando indicado, o tratamento pode levar a mudanças dramáticas na trajetória de vida dos acometidos pela depressão.
Dra. Mariana Rangel Maciel