07/04/2010
Vera Athayde é assim. Artista inquieta, educadora e acadêmica. Estudiosa e professora de danças brasileiras, e também mestre pela UNICAMP-SP, com sua pesquisa sobre a dança cavalo-marinho. Vera acaba de chegar de Fortaleza, no evento sobre pontos de cultura “4ª. Teia Nacional - tambores digitais”, junto com a colega Lucilene Silva, ambas orgulhosamente representando a Oca, Ponto de Cultura* em Carapicuíba, na Granja Viana.
Vera me recebeu em sua casa, antigo ateliê da ceramista Shoko Suzuki, e seu finado marido artista plástico Yukio Suzuki. Recebeu-me resfriada, um tanto cansada e, segundo ela, ainda elaborando as emoções acumuladas no final de fevereiro com sua defesa de mestrado e com o evento dos pontos de cultura organizados pelo MinC em Fortaleza, no final de março. E foi assim, cercada de quadros por todos os lados e uma cerâmica aqui, outra ali, que Vera me contou sua experiência em Fortaleza.
Diversidade cultural nacional viva
“Antes de existir a iniciativa do MinC (Ministério da Cultura), de criar o projeto Pontos de Cultura, a Oca já era, em essência, um ponto de cultura.” Para Vera, o que acontece a partir do projeto do MinC e a partir de a Oca ser contemplada como Ponto de Cultura, é que: “a cultura passa a ser encarada não só como produto, mas como cultivo”. Vera sorri e diz que essas palavras bonitas não são dela, e sim de Célio Turino, criador do projeto Pontos de Cultura que se despediu do cargo de Secretário de Cultura e Cidadania para candidatar-se a deputado federal por São Paulo, pelo PCdoB. Quando fala do assunto, os olhos de Vera brilham: “os pontos de cultura legitimam os espaços que já existiam, eles não surgiram do nada. Eles vêm fortalecer os profissionais que já trabalhavam neles, as nossas ancestralidades e a identidade nacional”. E continua, animada: “Faz 15 anos que trabalho com cultura brasileira e nunca tinha vivenciado tamanha explosão de diversidade, como a que vivi na Teia! Jantei com um líder indígena, almocei com um líder sem-terra e, à noite, compartilhei momentos à beira-mar com um líder do Complexo do Alemão, uma favela no Rio de Janeiro”.
A premiada Oca
Vera me conta a história de sucesso da Oca, Organização Cultural da Aldeia. Um Ponto de Cultura que vem acumulando premiações junto ao MinC, em seu trabalho de realizar atividades afro-brasileiras com dança, canto, transmissão de valores, contemplação e conhecimento da cultura negra e seus costumes. A Oca é um Ponto de Cultura premiado desde a primeira edição do projeto, em 2004. E foi contemplada novamente, na segunda edição, após convênio com a Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, em 2009. Foram 300 instituições culturais selecionadas em todo o Estado. Dos R$ 54 milhões destinados às entidades, nos próximos três anos, R$ 36 milhões virão do MinC e R$ 18 milhões da Secretaria paulista.
Intercâmbios ponto-a-ponto
A Oca participou dos quatro eventos nacionais que houve até hoje: na primeira Teia, na cidade de São Paulo, mais especificamente nas instalações da Bienal, no Ibirapuera, a Oca teve a participação de seus representantes – delegados – e também apresentou o espetáculo A corda que acorda. Também levou representantes para a Teia do Distrito Federal, em Brasília, de Minas Gerais e, agora, da Teia cearense.
A Oca também recebeu três Prêmio Interações Estéticas (Residências Artísticas): um intercâmbio cultural com um ponto de Recife (São Paulo-Recife – Recife-São Paulo); recebeu o músico e compositor paulistano Paulo Padilha que levou as “cordas” de seu violão à Oca, ponto mais ligado à percussão, com o projeto Cordas que acordam. Agora em abril, ou em maio, dois bolsistas da Casa de Ensaio, do Mato Grosso do Sul, visitarão a Oca. Receberão as passagens, uma pequena ajuda de custo e serão hospedados e alimentados pelo sistema de hospedagem solidária, na própria comunidade. Depois, dois representantes da Oca fazem o caminho inverso, rumo ao Mato Grosso do Sul. Relata Vera: “Esses intercâmbios que acontecem são muito ricos. Por exemplo, a chegada do Paulo Padilha nos ajudou muito. Você sabe, quando a gente é contemplado como Ponto de Cultura, a gente recebe um kit multimídia completo, para registrar nossos trabalhos. O Paulo foi um facilitador que ajudou a gente a lidar com essa tecnologia.”
Outros pontos de cultura na região
Vera se empolga muito ao falar do seu ponto de cultura. Mas não se limita à Oca. Além de me mostrar o rico material que trouxe de Fortaleza, sobre pontos de cultura do Brasil inteiro, aponta vários na região, como o ponto cultural da ABENAF (Associação Beneficente de Amparo à Família), também em Carapicuíba. Lá, será ministrado curso de áudio visual para 180 jovens durante três anos, onde o tema central será sempre o povo e a história de Carapicuíba. No final de cada módulo do curso, haverá festival de cinema e a produção de um DVD com o material dos jovens atendido pela entidade.
Em Cotia, destaca-se o CEACOTUR (Centro de Educação Ambiental, Cultural e Ecoturismo no Sítio do Mandu) desenvolvido pela ONG cotiense SELVA (Sociedade Ecológica Verde Amarelo) e a Casa da Cultura Indígena, que oferecerá a Oficina e Projeto Saberes das Culturas Indígenas. O objetivo é levar esta cultura às escolas públicas e formar docentes para abordar a real história indígena, suas artes, saberes, pintura corporal e facial.
De repente, Vera solta uma pergunta: “Você conhece o ponto de cultura do Embu das Artes, liderado por Raquel Trindade, a filha de Solano Trindade que, inclusive, viveu no Embu? É imperdível! Lá tem painéis enormes, contando a história dele! Um ponto ligado à cultura afro-brasileira, à poesia negra!”
E finaliza com uma sugestão: “Eu acho que vocês deveriam visitar todos os pontos da região e ir fazendo matérias com cada um deles!”
A colunista na Teia de Fortaleza
Pretendo atender a sugestão de Vera. Eu também estive no evento de Fortaleza e voltei impressionada. Fui a convite dos organizadores. Lá, soube que hoje são quase quatro mil Pontos de Cultura em 1122 municípios de todo o Brasil, e cada ponto recebe R$ 180 mil a serem utilizados ao longo de três anos.
Assisti à abertura do evento, com discursos do ministro Juca Ferreira e do secretário Célio Turino, que se despediu do cargo. Depois, participei da coletiva que Turino deu aos jornalistas. Também conversei e entrevistei líderes de diversos Pontos de Cultura brasileiros e também pessoas do governo ligadas ao programa: o poeta Celso de Alencar, assessor municipal de cultura e parecerista dos projetos inscritos e TT Catalão, poeta e jornalista que acaba de assumir o cargo de Secretário de Cidadania Cultural do MinC. O que pude apreender da experiência Teia foi uma unanimidade: todos os envolvidos se mostram muito empolgados e comprometidos com as manifestações de cultura popular a que vêm assistindo e/ou das quais vêm participando, por este Brasil afora... e adentro!
*Pontos de Cultura são iniciativas de ordem artístico-culturais desenvolvidas pela sociedade civil que, após seleção por edital público, firmam convênio com a Secretaria de Cultura do Estado e o Ministério da Cultura, e tornam-se responsáveis por articular e impulsionar ações que já existem nas comunidades. O Ponto de Cultura não tem modelo único de instalações físicas, de programação ou atividade, é uma iniciativa que impulsiona a realização de ações envolvendo Arte e Educação, Cidadania com Cultura e Cultura com Economia Solidária.