30/04/2014
Há pouco tempo o dono de um pequeno comércio me procurou com o intuito de alavancar seu negócio. De imediato busquei entender por que motivo as coisas não estavam indo bem e qual a linha de raciocínio desse empreendedor em relação ao seu negócio. Nem foi preciso analisar muito profundamente para perceber que a empresa havia nascido fadada ao fracasso. Ele abrira um pequeno comércio exatamente em meio a dois concorrentes de peso, empresas multinacionais. Ambas a menos de mil metros desse pequeno empreendimento, uma de cada lado. Para piorar, todos no segmento de mercadorias perecíveis.
Quando me aprofundei na conversa notei que esse meu provável cliente não oferecia nem preço nem diferencial que pudesse competir com os dois gigantes. Um ou outro produto era mais em conta, mas 90% deles eram bem mais caros. A conversa era sempre a mesma: o granjeiro não apoia o comércio e em momentos mais tensos esse empresário chegava a duvidar da inteligência do granjeiro na hora de escolher seu fornecedor ou ainda apelar para o paternalismo, acreditando que deveria fazer parte da cultura granjeira privilegiar o pequeno comerciante.
Entre o que seria ideal e o que acontece na realidade a distância pode ser muito grande. O País vive momento de crise, a Granja notoriamente apresenta problemas econômicos como um todo, as pessoas têm cada vez menos tempo para se deslocar para diversas lojas para comprar tudo o que precisam e a região está repleta de novos granjeiros, ou seja, pessoas que vieram para a Granja porque os imóveis são mais baratos que São Paulo mas ainda mantém sua vida ligada à capital.
Nada disso era argumento razoável para o meu futuro cliente. Quando eu perguntava sobre o que o teria levado a abrir o negócio em meio a esses dois poderosos concorrentes, esse empresário tentava justificar de maneira quase desesperada que não eram concorrentes e que ele tinha um diferencial no atendimento e no preço. Quando mais eu queria saber exatamente quais eram esses diferenciais e colocar numa tabela o comparativo de preços, mais eu percebia esse empresário entrando em um mundo de justificativas mirabolantes, quase hollywoodiano além de exibir um comportamento emocional quase teatral ao tratar do assunto e negando os fatos mais latentes.
Voltas e subterfúgios como um marido pego em flagrante nu com a amante na cama de um motel e tentando dizer para a esposa não é nada disso que você está pensando. O pior de tudo é que eu percebia que esse empresário realmente acreditava no seu próprio discurso. É o que em coaching chamamos de autoengano. Pelo menos no nível consciente. Pelo seu desespero e pela comunicação não verbal era possível perceber, por uma análise neurolinguística, que o que havia ali era o mais puro desespero. Desespero de assumir para si mesmo que ele havia errado. E feio no novo negócio.
Essa terceirização da responsabilidade eu diria que é o principal obstáculo para a recuperação de um negócio. Na fase inicial de planejamento, classificaria como o complexo de Polyana, o principal vírus que a empresa pode carregar. Para quem não conhece Polyana era uma personagem infantil dos anos 1960 que via tudo de maneira ingenuamente positiva, sem o mínimo de senso crítico para analisar a realidade.
É o empresário que acha que teve “a grande ideia” e não enxerga um palmo à sua frente sobre a realidade que o cerca, justamente porque quer que a realidade se adapte ao seu sonho. Em um segundo momento, quando o negócio vai mal, vem a fuga da responsabilidade. A terceirização da culpa, aumentando ainda mais essa miopia e entrando na zona de conforto de se colocar na posição de vítima. Quem quer realmente sair da toca primeiramente não tem medo de ficar nu. Mesmo que não seja diante da amante, mas de si mesmo.
É esse empresário que tinge o mundo com as suas próprias cores e acredita que o cliente vai se comportar como ele gostaria. Que distorce os fatos para que eles se adaptem ao seu sonho e não o contrário. Que busca no consultor um companheiro de lamúria em vez de alguém para trabalhar uma solução, mesmo que seja dolorida e exija sacrifício.
Esse efetivamente não vai se recuperar. Por mais que haja crise econômica ou fatores externos, o determinante principal do sucesso de um negócio é a capacidade de enxergar do empresário. De enxergar oportunidades, de analisar riscos, de encarar a realidade como ela é e o que ela pede. E também de resignação quando algo dá errado. De inteligência emocional, principalmente para lidar consigo e assumir: eu errei e vou me abrir para fazer diferente e de acordo com as regras do mercado e não com as minhas.
Quem não está disposto a abrir o coração e a mente para algo que lhe é estranho e definitivamente assumir a parte que lhe cabe sobre a responsabilidade do seu fracasso e fazer diferente, é melhor fechar as portas. Porque o mundo aí fora tem bem mais espaço para suor do que para lágrimas.