23/12/2009
Por Risomar Fasanaro
Eu estava no trem quando o garotinho entrou e sentou-se junto com a mãe, em frente a mim. Estava com a cabeça enfaixada e pensei em perguntar por que, mas não tive coragem. Ele carregava um caminhão de brinquedo e um boneco, desses super herois que existem agora, e pela conversa dos dois percebi que havia ganho em uma daquelas distribuições de presentes às crianças que fazem sempre nessa época de Natal.
O garoto deveria ter dez, onze anos, a idade que eu tinha quando passamos o primeiro Natal aqui em São Paulo. A visão daquela criança desencadeou em mim algumas lembranças.
Árvore natalina era uma novidade para nós. Em Pernambuco os grandes festejos acontecem nas festas de São João, com as casas todas enfeitadas com balões chineses, grandes fogueiras, mesas repletas de pratos típicos: pé-de-moleque, completamente diferente do que se faz aqui no sul, canjica (que aqui se chama curau), manguzá, pamonha e bolo Souza Leão. O Natal era apenas uma festa em família, com uma ceia à meia-noite, mas que não trazia nenhuma grande novidade além dos presentes que recebíamos de Papai Noel na manhã do dia 25.
Tínhamos visto, minha irmã e eu, algumas árvores de Natal nas casas de nossas colegas do colégio, e também queríamos uma. Faltavam apenas três dias e não tínhamos nenhum pinheirinho para enfeitar.
De tanto insistirmos, minha mãe nos deixou sair para procurar algum nas redondezas de Quitaúna, bairro de Osasco onde morávamos. E saímos procurando nas casas do bairro alguém que pudesse nos vender ou dar um pinheirinho. Mas ninguém tinha. As pessoas diziam sempre a mesma coisa: o que tinham já estava enfeitado dentro de casa para o Natal.
Embora naquela época ainda houvesse no bairro muitas árvores, nenhum pinheiro havia.
Eu havia decidido que de um jeito ou de outro arranjaria algum galho de árvore que pudesse substitui-lo. Foi quando tive a idéia de procurar algum pé ou galho de bambu que tivesse a forma de uma árvore de Natal.
Já quase anoitecia quando encontramos. Aquele galho parecia ter nascido exatamente para aquilo. Ele tinha a forma de um pinheiro com seus galhos que se afunilavam dando a forma que queríamos. Nós duas o arrancamos e o levamos para casa.
Quando chegamos e o mostramos à mamãe, ela perguntou: e agora? O que vocês vão fazer com ele? Só então nos demos conta de que não havia nenhum enfeite, nada...
Mas a idéia que eu fazia era a de uma árvore coberta de neve. Sim, neve era o que mais povoara minha imaginação, era ela que traria o que nunca tivemos antes em nenhum Natal. Algo impensável no calor de Pernambuco. E naquilo estava a grande novidade. Ficasse aquela árvore coberta de neve, e pra mim bastava. Não eram assim as que apareciam nos cartões de Natal?
O que eu mais queria era ver aquele galho de bambu com algodão salpicado pelos galhos, imitando a neve.
Meu irmão Rômulo conseguiu equilibrá-la em uma lata com terra e pedras, nós a decoramos com algodão desfiado.
Orgulhosas olhamos nossa árvore: linda! Nós duas pedimos e meu irmão tirou fotos nossas junto a ela- nossa primeira árvore. As duas felizes como se nela houvessem muitos enfeites. No dia seguinte, minha mãe comprou bolinhas e guirlandas, e ela ficou mais bonita ainda.
Vivemos muitos Natais. Tivemos muitas árvores ao longo de todos esses anos, algumas enormes, e com inúmeros enfeites, mas pra mim jamais houve alguma tão linda quanto aquela, feita apenas com um galho de bambu.
Pernambucana, veio para Osasco com 11 anos. Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de "Eu: primeira pessoa, singular", obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil. |