26/01/2006
Às vezes o que mais me tira o sono, sem contar os pernilongos do inferno, é que as melhores idéias acontecem após meu ritual noturno. Veja você ou você também, tanto faz, são meia noite e meia e mais um pouco e aqui estou eu escrevendo. Mas hoje é exceção, fugi a regra para poder contar como faço para não fugir.
Visualize a cena sem cortes e censura liberal: computador desligado, dentes escovados, pijaminha colocado e beijo do gordo dado. Já debaixo das cobertas com a posição perfeita achada. E é nesse momento, caros telespectadores, no curto espaço de tempo entre as piscadas em slow motion e o sono profundo, que a idéia resolve resolver. Pode me chamar de ingrato ou mal agradecido e até mesmo de tudo junto ao mesmo tempo de trás para frente, não atendo fora do expediente. Confesso que eu às vezes me exalto comigo mesmo. Vale lembrar que na condição de escritor, ou na tentativa de ser um, sou dependente literário, se não vitalício, de novas idéias. Sinto-me como um atacante que desiste de empurrar a bola, já na linha do gol, para dentro. Mas nesse caso não chuto e nem procuro a bola. Abro mão e dedos e não me estresso, já é tarde da noite para desenvolver minha ‘paulistaniedade’. Não ouso em levantar da cama. Jamais! Apenas mentalizo a idéia com em um mantra meio que sagrado na esfera do profano convidando-a para adormecer. Desde que não fique com o lado virado para a parede que é indiscutivelmente meu, não vejo problemas. E caso ela aceite o convite significa que se pré-dispôs, ciente dos riscos, a atravessar uma noite disputando espaço entre meus sonhos esquizofrênicos, pesadelos sonambulísticos e prováveis diálogos com o nada.
Peço uma pausa no vídeo agora para uma observação importante. (Na verdade não é tão importante assim e não é nada que se diga nossa mais que importante essa observação!) : é notável perceber que nessa altura os papéis são invertidos e a situação passa a ser de controle ditatorial da minha parte. Se foi a idéia que se teve, por que seria eu o interessado que ela se concretize? Pensas que não, mas é muito cômodo ser uma idéia hoje em dia. Mas aqui não, não nesse recinto! Não por enquanto. É isso aí.
Afinal, onde paramos? Ah sim, depois disso dois rumos possíveis podem ser tomados. Ou você levanta com a sensação de que “alguém dormiu comigo, mas não lembro quem” e vai viver seu dia, ou... Bem, ou alguém vai te tirar as cobertas mais cedo como em um sobre salto. Sem buzinas ou copo da água, janela aberta ou som ligado. Será um silêncio gritante. E é nesse exato momento do filme que o anti-climax entra em ação e a idéia volta a assumir o posto mais alto da minha hierarquia. Resta-me baixar a cabeça e seguir o plano traçado meticulosamente. Estou frente a frente a uma, senão brilhante, sem dúvida persistente idéia. Agora ignoro todos rituais de manhã, até porque eu acho que eles nem existem. Esqueço a regalia dos cinco minutos, dos dez, dos vinte e seis vírgula trinta e quatro e assim por diante. Levanto da cama com muita dó e piedade escassa. Procuro uma caneta e o papel mais rápido que posso, mas sempre respeitando os limites de velocidade matinais. Agarro a idéia antes que ela fuja. Não que ela vá fugir, mas nunca se sabe quando o branquinho da mente vai entrar em ação. Escrevo em um misto de garrancho e hieróglifos e transformo todo o descaso inicial em servidão escrava. Ou pelo menos tento. Essa idéia, mais do que qualquer outra, se fez valer a pena ter sido tida, se é que isso existe. Mas enfim, eu vou para a cama pois é como já dizia minha velha avó de Mogi Mirim : é pecado deixar travesseiro esperando.
ps: É, eu sei que nenhuma das minhas duas avós já disse isso e que muito menos moram no município de Mogi Mirim, mas seria genial.