24/03/2011
Um assunto que tem me inquietado ultimamente é a dobradinha acúmulo - espaço. Sou filha de antagônicos: um pai super organizado (virginiano, confirmariam os astrólogos) e uma mãe hiper bagunceira.
Ele se perdeu na meticulosidade a ponto de ter etiquetas para tudo e por tudo e se descuidar da saúde, caindo e se mantendo gravemente doente há seis anos.
Ela tem um quarto que é seu museu vivo. A cada dia surgem novas peças constantemente repetidas porque, claro, no meio do caos é difícil se dar conta de que já se tem cinco caixinhas de band-aid.
Na verdade adoro os dois estilos, mas nos meus pais, não em mim. Gosto de garimpar documentos, fotos, objetos do meu passado em uma das muitas caixas das muitas estantes que minha mãe comprou tentando organizar sua turbulenta intimidade.
Aprendi com meu pai a ter sob as vistas um mundo limpo com cada coisa em seu lugar. Só que é insano para mim ter "herdado" essas duas tendências: bagunço com facilidade e me sinto mal na desordem.
Há tempos encontrei um pensamento de Scott Fitzgerald, escritor norteamericano, que virou meu lema. Aqui vai ele:
"Costumo observar as pessoas organizadas. São dinâmicas, realizam coisas. Dominaram o segredo do sistema para fazer tudo fluir suavemente deixando-as livres para as coisas realmente importantes na vida. Elas não nasceram assim. Aprenderam."
Pois é, abomino a cena em que facilmente me encontro que é a de ficar procurando algo que preciso e tenho. A perda de tempo, a interrupção desnecessária. Ter coisas significa ter instrumentos úteis. Quando este quesito perde sua validade porque já não encontro nenhuma das três canetas Bic que comprei exagerado para nunca ficar sem nenhuma, significa que eu não mais possuo e sim sou possuída pela minha incapacidade de gerenciar meu espaço e tempo..
Outro dia, pensando no que dizia minha amiga Silvia sobre se desfazer do antigo e dos excessos para abrir espaço para o novo decidi levar para reciclar ao menos uma das cinco pastas de cartas que habitam minha estante. Só que li um trecho de uma das cartas antes do ato libertário e percebi que ali tinha a minha história. Acabei por não me desfazer delas, embora não saiba bem qual o sentido do conservar. Onde encontrar o ponto de equilíbrio? Vou tateando e me consolo, afinal "as pessoas organizadas não nasceram assim, aprenderam". Chego lá.
Mais de dez anos se passaram desde quando escrevi esta crônica que encontrei agora na minha resistente bagunça. Meus pais já não vivem mais, continuo bagunceira e organizada e já não me sinto a vontade de responsabilizá-los pelos meus desalinhos, mesmo porque agora eu sou muito mais mãe do que filha. As cartas foram todas queimadas numa fogueira e já me arrependi muito de ter feito isso num dia em que estava triste com o meu passado. Dentre elas tinha uma correspondência intensa com um namoradinho da época que agora é um editor famoso. Fico curiosa de reler o que escrevemos eu e ele, quando ainda éramos adolescentes. Bom, Dona Vida não volta para trás... mas continuo querendo chegar lá. Nesse lugar da organização que nos deixa livre para as coisas que realmente importam.