17/07/2008
Jovens, adultos, todos comentam a proibição de consumo de álcool para quem vai dirigir. Nem uma gota, senão você pode ir preso, terá que pagar fiança, talvez perder sua carteira de habilitação por um ano e ter seu carro apreendido... O assunto tem levado pessoas das mais diversas crenças e tendências à indignação geral.
Eu não havia me dado conta, até aqui, como era fácil encontrar, ao volante, alguém que já tinha tomado “uminhas”. Eu mesmo, muitíssimas vezes, dirigia tendo bebido um, dois, três chopes. Coisa absolutamente “normal”. De repente, a casa caiu, e só dirige quem estiver absolutamente abstêmio. Inacreditável!
Mas isso afinal é bom ou ruim?
É claro que esta proibição é uma medida extrema. Quando as medidas habituais não funcionam, então é necessário agir duramente. Muita gente já morreu por causa de irresponsáveis alcoolizados ao volante. Só pode ser bom reduzir a incidência desse tipo de acidentes e suas conseqüências. Mas será que a nova lei chegará aos efeitos desejados? E mais ainda: é assim, na base da dureza, que se lida com esse tipo de coisas?
Em primeiro lugar, com todo o respeito à polícia, tanto poder na mão do agente da lei não poderá levar a novos casos de corrupção? É o famoso “jeitinho”, que todos conhecemos, encontrando novas e ótimas oportunidades. Não sei como fazer para mexer com esta situação em curto prazo. Em segundo: é necessária a punição máxima para que uma medida de bom-senso seja cumprida?
É fácil dizer aqui que somos um povo muito indisciplinado, cheio de jeitinhos por baixo do pano, e que só na base do rigor podemos tentar produzir algum resultado no cumprimento da lei. Mas a questão é ainda mais profunda. Se um povo não consegue fazer valer esse bom-senso e vive em um estado de exceção, dirigindo irresponsavelmente e sem pensar no bem-estar dos outros (e no próprio!), esperamos orgulhosamente por medidas que nos farão resolver o problema na base do tacão? Chegamos ao ponto de indiferença coletiva em que só funcionamos se formos punidos severamente por alguém? E quem disse que é isso que funciona?
A lei seca americana só serviu para aumentar ainda mais a criminalidade. Não sei se será o caso aqui. Estou longe de defender o consumo de bebida alcoólica. Tive um pai que foi, por muitos anos, alcoolista inveterado, e sei muito bem a dimensão do problema da adição alcoólica. O que me deixa com a pulga atrás da orelha é, como nação, termos que adotar medidas tão drásticas para fazer com que o mínimo de bom senso possa acontecer.
Se houvesse mais diálogo e mais compartilhamento entre as pessoas, provavelmente elas pensariam duas vezes antes de dirigir mais perigosamente. Com mais planejamento e organização, seria muito melhor dirigir no trânsito — São Paulo é uma guerra.
Ouço as pessoas mais tacanhas acreditarem cada vez mais que os problemas sociais, o crime e a violência só se resolverão através da repressão, da punição, da polícia. E isso garante que passemos a nos respeitar mais? Que tenhamos o sentido mais apurado de responsabilidade coletiva? Garante que a pessoa que não bebe ao volante seja responsável na sua maneira de dirigir, mesmo sóbria?
E as mortes no trânsito devidas à violência na maneira de dirigir? à irritação, às armas portadas no carro, ao machismo, à indiferença ao outro? Vamos aplicar bafômetros, multas e apreensões nesses casos também? E nos casos de corrupção no Congresso —bafômetro neles resolve? E quem desmatar a Amazônia — madeireiras, etc.? E quem poluir os rios? e quem desviar verba da saúde? E todo o resto? Estamos prontos para medidas “eficazes” como fazemos ao prender quem tomou dois chopes e dirigiu para casa? E se aplicarmos – é assim que desenvolvemos o senso de responsabilidade de um povo? Brasileiro só obedece forçado? Isso é triste.