13/02/2025
Pela primeira vez em cerca de duas décadas, moradores da capital e região metropolitana de São Paulo passaram a utilizar mais o transporte individual - como carro, moto, táxi e veículo aplicativo - do que o transporte coletivo - metrô, trem e ônibus.
Essa é uma das principais conclusões da pesquisa Origem e Destino, conhecida como Pesquisa OD, realizada pelo Metrô de São Paulo e divulgada nesta terça-feira, 11, em São Paulo.
Implementada desde 1967, sempre em intervalos de dez anos, a pesquisa foi antecipada para investigar os efeitos trazidos pela pandemia da Covid-19.
Foram 79 mil entrevistados dos 39 municípios da Grande São Paulo. Uma das transformações captadas pelo estudo foi a preferência pelo transporte individual em relação ao coletivo (51,2% a 48,8%). Esse cenário havia acontecido pela última vez apenas no levantamento de 2002.
Transporte coletivo cai em Cotia e Região
A pesquisa aponta que o uso do transporte coletivo diminuiu em todas as sub-regiões da pesquisa, com as maiores quedas no Sudoeste, região de Embu das Artes e Itapecerica da Serra, com 27,5%, e Oeste, que engloba Cotia, Barueri e Osasco (21,9%) e Sudeste, no ABC, com 33%.
Para a pesquisa, viagem é o deslocamento entre o endereço de origem e o de destino por um motivo específico (trabalho ou educação, por exemplo), com um ou mais modos de transporte.
O transporte coletivo registrou queda tanto em números absolutos quanto em participação em todas as faixas salariais. A queda em relação a 2017 foi de 19,8%.
Em 2023, foram realizadas 35,6 milhões de viagens diárias na região metropolitana. Cerca de 70,5% dessas viagens ocorreram por modos motorizados (coletivo e individual), enquanto os restantes 29,5%, por modos não motorizados (bicicleta e a pé).
Transporte coletivo em queda desde 2007
O sentido da curva do uso do transporte coletivo já era descendente desde 2007, movimento que foi captado também no último levantamento, feito em 2017.
Luiz Antonio Cortez Ferreira, gerente de Planejamento e Meio Ambiente do Metrô, lembra que os anos 2000 foram marcados por diversas medidas que impulsionaram o transporte público e atraíram mais passageiros, como a implementação do Bilhete Único (2005) e a expansão do bilhete para trens e metrôs no ano seguinte.
Vou de Uber
Um dos principais aceleradores do transporte individual são os serviços por aplicativos, que se instalaram há cerca de uma década. O táxi (convencional e serviços por aplicativo) teve crescimento de 137,3% e passou de 468 mil para 1.112 milhão de viagens em 2023.
Além de serviços de transporte de passageiros, como Uber e 99, ganharam força o uso de motos para a entrega de refeições e mercadorias, modelo seguido pelo iFood e Rappi.
“A tendência de mudanças nas formas de trabalho e escola sofreu aceleração na pandemia, que trouxe alterações nas formas de consumo (e-commerce, por exemplo), nos formatos de trabalho e escola e no crescimento de modos como carros por aplicativo”, diz Cortez Ferreira.
Trabalho e escola ainda campeões
A pesquisa aponta ainda que os principais motivos de deslocamento continuam sendo trabalho e educação. Das 35,7 milhões de viagens realizadas na região metropolitana, 16,5 milhões (46,2%) ocorreram por motivo de trabalho. O segundo motivo continua sendo a educação, responsável por 12,9 milhões das viagens diárias, 36,2% do total.
A população cresceu e o número de viagens caiu!
A surpresa foi que pela primeira vez em quase 60 anos (!), houve redução no número de viagens diárias na capital e na região metropolitana. Ou seja: as pessoas estão se deslocando menos para trabalhar, estudar, pagar contas ou ir ao supermercado.
Mistério intriga os especialistas
O número de viagens diárias caiu de 42 milhões em 2017 para 35,7 milhões em 2023. Os motivos para a mudança ainda são investigados pelos pesquisadores, mas uma das principais explicações é a mudança de comportamento após a pandemia, com a adoção do trabalho remoto, híbrido e do ensino a distância.
Também houve queda nas viagens motorizadas (11,1%) e nos índices de mobilidade total (16,8%).
“Quando crescia a renda, crescia a mobilidade. O mesmo acontecia com a posse de automóvel, que levava ao aumento do transporte individual. Agora isso mudou.”, avalia Ferreira.
Com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o levantamento registra aumento nos empregos (11,7%), na frota de automóveis particulares (21,5%) e na taxa de motorização (19,8%), todos com valores muito superiores ao crescimento populacional (2%).
O salário também cresceu. A renda média familiar mensal era de R$ 6.776 (em outubro de 2023), representando aumento de 38,1% em relação a 2017 em todas as sub-regiões.
Transporte coletivo perde mais deslocamentos
Nesse cenário de retração dos deslocamentos, o transporte coletivo (ônibus, trem e metrô) é o mais afetado. O setor perdeu três milhões de viagens (decréscimo de 19,8% entre 2017 e 2023) enquanto o individual perdeu apenas 116 mil viagens (recuo de 0,9%).
Essa redução traz um desafio adicional para o equilíbrio financeiro dos sistemas. A cobrança de tarifas historicamente era uma das suas principais fontes de receita, mas tem sido vista nos últimos anos a necessidade crescente de subsídios do poder público para complementar os custos.
“A mudança de hábitos foi tão profunda que mudou a lógica na série histórica. (As viagens) nunca haviam baixado. Se houvesse uma queda da renda, teríamos uma explicação clássica. A explicação está em outro lugar. Ainda estamos investigando”, diz Cortez Ferreira.
(do Estado de São Paulo)