09/05/2021
Por Iana Ferreira
Domingo próximo é o dia das mães. Justíssima homenagem como
proposta, mas nos equivocamos um tanto na sua realização.
De verdade, este segundo domingo de maio pode ser o dia da
Lúcia, da Maria, da Teresa, da Clara, da Carlinda... dia das várias mães. Infelizmente,
se olharmos bem, não comemoramos as mães de fato, as mães no plural. Comemoramos
e homenageamos uma única mãe, uma imagem de mãe ideal, uma mãe portadora de
todas as extraordinárias qualidades que ligamos ao materno.
Basta ver as definições de mãe que circulam nesta época: mãe
é amor incondicional, abnegação, força, entrega, proteção, dedicação... tudo em
dosagens máximas, tocando a perfeição. Menos que isso não se conecta à mãe a
ser homenageada domingo.
E, então, quantas de nós, mulheres que nos tornamos mães,
não somos cobradas e não passamos a exigir de nós mesmas essas qualidades tão
formidáveis? A conexão perfeita com os filhos na gestação, o parto mais natural,
as relações mais incríveis ao longo de toda a vida, o amor... Obviamente aí não
cabe nenhum cansaço, nenhum traço de egoísmo, desgosto, incômodo, madrugadas
resmungantes, dores, tristezas pessoais. Limitações e inadequações nem pensar.
Que dirá aquele desejo, que sem dúvida vai surgir, de estar novamente só e
livre no mundo ao menos por algumas horas...
Mas será que para toda mulher que se torna mãe este é mesmo
um acontecimento extraordinário e transformador? É possível encarnar todas as
qualidades do materno de uma hora para outra na vida, ao simplesmente se tornar
mãe?
A maternidade é tão infinitamente variada quanto o DNA, o
formato das flores, o desenho das íris. Basta olhar. Algumas mulheres nem
sequer desejam ter filhos. Outras não querem filhos biológicos. Outras maternam
seus projetos, livros, bichos, plantas. E o fato é que quem materna, sempre irá
maternar com suas qualidades próprias, com significados particulares e
sentimentos muitíssimo variados.
Isso porque, vale lembrar, o acontecimento da maternidade
estará sempre situado em algum ponto de uma história pessoal, que obviamente
inclui vários outros acontecimentos, um contexto com afetos, expectativas,
sonhos, anseios diversos, esperanças e desesperanças, dores e delícias de uma
existência já em andamento antes de você e de mim.
Quero contar que a mulher que se tornou minha mãe viveu a
maternidade pela primeira e única vez aos 42 anos. Isso lá nos anos 60, quando
era ainda menos comum e esperada uma maternidade tardia assim. Ela não gostava
de cozinhar, mas costurava maravilhosamente. Quando eu nasci passou a fazer
isso quase que só para mim, como tantas outras coisas da sua vida. Isso não era
só sublime. Luz e sombra aí. Mas a gente devia se amar muito até virem as
primeiras rupturas.
Lembro que quando aos 5/6 anos entrei no balé fiquei tão
apaixonada pela minha professora que inventei uma história, que contava só para
mim mesma, claro, de que ela é que era minha mãe de verdade e que minha mãe era
só a minha avó. A professora bailarina era a imagem da mãe perfeita e
irretocável, sempre amorosa, linda, feminina e... bailarina! Minha mãe suava
pagando as contas, não tinha prazer de cozinhar, mas costurava roupas fofas,
que eu realmente amei pelo menos até a adolescência. Daí começa outro capítulo.
Quem não passou por ele, não é?
Essa história seguiu e segue por muitos capítulos de uma
vida real, com aproximações e afastamentos, afetos de vários tipos, às vezes
ambíguos, contraditórios, quase não conciliáveis, todos humanos, “comuns”,
cabíveis a meu ver. É que a mãe que idealizamos vai-se encontrando com uma
mulher real e esse encontro não costuma ser muito fácil, raramente vi um que
fosse. Às vezes leva uma vida para permitirmos que ele aconteça.
Minha mãe já não está mais aqui neste mundo, mas
sinceramente desejo ainda poder convidá-la mais inteira neste próximo domingo.
Uma mãe com um nome e uma história própria, como tantas outras, como eu mesma
me tornei.
Estas são as mães que podemos comemorar neste domingo de
maio, as mães reais, aquelas que trazem junto – ou dentro, ao lado, por trás – suas
Lúcias, Marias, Teresas, Claras, Carlindas, tantas histórias para além da
maternidade. Podemos convidar todas elas para essa festa?
Que domingo possa ser um dia para as diferentes mães e também suas(seus) filhas(os) reais tornarem um pouco mais especial esse relação tão extraordinariamente cheia de aprendizados. Feliz dia das várias mães deste mundo!