06/03/2025
SG: Conte sobre a sua história
Solange - Sou a nona filha, caçula de 9 irmãs, de um pai e mãe que ficaram órfãos quando bem crianças. Se encontraram na vida e fizeram uma grande família. Ambos eram analfabetos e quando eu tinha 6 anos entraram no Mobral. Eu ia com eles para a escola e os ensinei eles a lerem e escreverem juntos. Morávamos no km 17 da Raposo. Meu pai morreu com 90 anos e minha mãe com 91. Quando minha mãe morreu, estava cuidando dela há 4 anos. Foi então que escrevi o livro infantil “Como Viramos Estrelinhas”, baseado na experiência de luto dos meus netos, o que concretizou o projeto que eu estava à frente, que era cuidar de crianças com dificuldade de aprendizagem, projeto que já tocava desde 2019.
SG: E sua carreira profissional?
Solange - Aos 12 anos trabalhava de assistente em consultório de dentista. Fui trabalhar numa papelaria, depois eu fui fazer um curso de cabeleireira e fui trabalhar em salões de gente riquíssima: Beka, Di Biaggi, fui gerente de alguns salões. Decidi fazer Psicologia em 2004. Já era mãe de dois meninos e de uma menina. Trabalhei muitos anos em consultório, atendi muita gente na saúde suplementar (Convênios), dei aula em Universidade, coordenei equipe de videoaula, antes de falarem sobre isso e agora estou aqui. Ainda sou professora da Faculdade Lusófona e estou no consultório aos sábados.
SG: Quer falar sobre seus filhos?
Solange - Eu tenho um filho que é diretor da American Towers, outro que é pós-doc em química quântica, que trabalha no Emory, nos Estados Unidos, em Atlanta. Minha filha tem um negócio local aqui em Cotia. Tenho dois netos dela, do qual o mais velho, o Enzo, de 8 anos, trouxe todo esse outro olhar à neurodiversidade. Logo que nasceu percebi que tinha algo diferente ali. O nível de suporte dele é 1 em autismo, mas a gente trabalha com ele desde um ano e quatro meses. Descobrir cedo é um fator essencial, sem negação.
SG: O que fazer ao perceber que algo no seu filho é diferente?
Solange - Se você acha que seu filho tem alguma coisa em vista, faça, incentive, faça a intervenção precoce, porque o máximo que vai acontecer é estar tudo bem e vida que segue. E se não estiver, ele tem o suporte necessário. Temos em Cotia quase 1.800 cadastrados.
SG: Secretaria da Mulher Neurodiversidade e Inclusão Social. Vamos falar sobre essa nomenclatura?
Solange - O nome antigo era Secretaria da Mulher, Direitos Humanos e Cidadania. Então para colocar a Neurodiversidade, a gente escolheu frisar os Direitos Humanos. Inclusão Social é a prática de Direitos Humanos mais Cidadania. Então a gente colocou Secretaria da Mulher, Direitos Humanos e Cidadania. Quando eu falo que estou na Secretaria da Mulher, existe a grande piada machista “Nossa, nem bato na minha mulher!” Isso é uma coisa muito estressante! Por que as pessoas acham que cuidar da mulher é cuidar só da mulher vítima de violência? Também nós temos aqui uma prática que abarca uma rede de contatos de suporte bem grande para tirar essa mulher dessa posição. Mas isso é quando já ocorreu o fato. A gente precisa trabalhar com prevenção, promoção de que essas mulheres realmente consigam estar e ser na Vida. Vejo que mesmo o cidadão comum e até os nossos políticos eles não entendem o papel da Secretaria da Mulher. Quando a gente coloca neurodiversidade, é preciso falar dessa mãe, dessa mulher, dessa progenitora, dessa cuidadora, que sustenta os lares, aquela que vai dar base, aquela que é o suporte familiar, aquela que deixa de trabalhar em prol de muitas coisas... As pautas da pessoa com deficiência (PCD), diversidade racial e LGBT+ também fazem parte da secretaria. Aqui tem diversidade mesmo. E temos a menor verba de todas as pastas.
SG: E a chegada na Secretaria?
Solange - Chegamos e não tinha um histórico comprobatório com ações e projetos realizados. Tipo - um documento que falasse das ações feitas por ano, como relatório que todo mundo faz. Não tinha atas dos conselhos. Então assim, e o mais danoso, os conselhos não existem ou são aparelhados para não existirem de fato. Estamos nos empenhando para mudar isso.
SG: Qual maior desafio até agora?
Solange - O maior desafio que tem nessa pasta é quebrar os tabus, os preconceitos. Porque é muito bonitinho todo mundo falar que faz coisas, mas eu quero saber o que faz de fato. Sou uma pessoa técnica. Fazer assistencialismo, não é dar protagonismo. Você tem que ajudar essas pessoas serem elas mesmas e isso se dá através de educação, de saúde, de lazer, de visibilidade...
SG: O que já foi feito na pasta até agora?
Solange - Nós fizemos o Janeiro Branco, que foi a capacitação para os servidores públicos, onde trouxe colegas meus da universidade, super gabaritados para dar palestras sobre saúde mental. Cuidar da sua saúde mental. Cuidar da saúde mental do outro.
Nós somos em 22 secretários, só eu e Ana Paula da Educação, somos mulheres. A gente tem todo o apoio do prefeito e vice-prefeito. Estou muito feliz com os meus pares, homens, eles têm me tratado com muito respeito, com muita dignidade, que não é nenhum favor, pelo contrário, mas é assim que eles nos vêem, como mulheres capacitadas a estarmos aonde nós chegamos.
SG: Você gostaria de falar dos seus sonhos?
Solange - Acho que nessa altura que eu estou aqui sentada nessa mesa, conversando com você, eu já estou realizando muitos sonhos. E pensar que aquela filha daqueles pais que não tiveram oportunidade nenhuma, porque meu pai e minha mãe trabalhavam por um prato de comida, e conseguiram fazer uma grande família, dar pra gente condições de sermos seres críticos. Estudar em escola pública e estar aqui sentada é um sonho. Acredito que eu sou uma pessoa que gosta muito de ver os outros brilharem. Agora a missão é criar realmente a visibilidade, dar força aos conselhos dessa pasta e que se tornem pessoas protagonistas. Os conselhos são fundamentais e gostaria muito em nossa gestão que fossem mais que uma pauta política. Que fossem eficientes. Sociedade Civil junto com governo trabalhando para um mundo melhor. Precisam deixar de achar que é tudo para si ou para seu grupo. A política dos capitães já passou. Cotia tem periferias muito difíceis, precisa levar mais dignidade para essas pessoas. Cotia não é feita só de condomínios e da Granja Viana.
SG: Se você tivesse apenas uma canetada na cidade? Qual seria?
Solange - Fazer de Cotia uma cidade inclusiva de fato. Se eu conseguir no final desse mandato que essa cidade olhe para os menos favorecidos. Chegou a hora de Cotia, cidade tão próxima de São Paulo, ser mais inclusiva em todos os aspectos. Que possam entender e priorizar mais rampas do que escadas. Mais pontes, mais empatia...