07/02/2025
Profa. Dra. Maria Cecília Castro Gasparian
“Nas sociedades burocratizadas e aburguesadas, considerava-se adulto aquele que se conforma em viver menos para ter que morrer muito. Entretanto, o segredo da juventude é este: viver significa arriscar-se a morrer; a fúria de viver significa viver a dificuldade.”
— Edgar Morin, As Estrelas
Dizem que “o amor é cego”, e penso que, à primeira vista, ele precisa ser assim. Se pudéssemos prever todos os desapontamentos dolorosos e as expectativas desfeitas dos nossos amores cultivados na alegria, poucos de nós teriam a coragem (e por que não dizer a imprudência?) de iniciar relacionamentos de longo comprometimento.
Parafraseando o poema Enjoadinho, de Vinícius de Moraes, que fala sobre filhos, adapto para os casais:
Maridos… Esposas?
Melhor não tê-los…
Mas se não os temos,
Como sabê-los?
Se não os temos,
Que de consulta!
Quanto silêncio!
Como queremos!
Quando iniciei minha carreira como terapeuta de família e de casais, no século passado, meu trabalho consistia basicamente em “ensinar” às pessoas as habilidades emocionais necessárias para cuidar dos relacionamentos amorosos e mantê-los. Meu papel era ajudar casais a conversarem, expressarem sentimentos e necessidades, compartilharem tempo juntos e separados, negociarem o sexo – enfim, fazer com que o “amor” desse certo. Afinal, o ideal era casar, ter filhos, cuidar da casa, da prole e do marido!
Hoje, com mais de 35 anos de experiência, confesso que me enganei. Nos últimos 20 anos (ou mais), apenas alguns recém-casados ou pessoas prestes a se casar me procuraram para “aconselhamento”. Em vez de auxiliar na manutenção dos relacionamentos, me vi, de repente, administrando os ritos finais de histórias de amor já na “UTI”. A maioria dos casais que atendi estava na fase de jovens adultos. Nunca recebi casais de meia-idade.
O mundo mudou, as pessoas mudaram, as profissões mudaram… Mas será que o amor mudou? Ou foi a maneira como o abordamos ao longo da vida que o tornou diferente? Advirto, no entanto, que o amor nunca morre – apenas mudamos sua definição e nossa visão sobre ele. Pode “morrer” o amor erótico, mas ele persistirá transformado no amor philia e poderá evoluir para o amor ágape.
O QUE É O AMOR?
Vamos falar rapidamente sobre esse sentimento. Amor é uma palavra complexa, pois pode significar muitas coisas. A língua grega distingue três formas principais: Eros, Philia e Ágape. O primeiro está relacionado ao amor sexual e romântico; o segundo, à amizade; e o último, ao amor espiritual e incondicional.
• Eros – O amor romântico, caracterizado pela paixão, desejo e atração física. Na mitologia grega, Eros (o Cupido romano) atingia os humanos com suas flechas, despertando a paixão. Para Platão, Eros pode ser mais do que um desejo carnal; ele se transforma numa apreciação da beleza da alma.
• Philia – O amor da amizade verdadeira, que engloba lealdade, família e comunidade. Aristóteles afirmava que a amizade perfeita não é baseada na utilidade ou no prazer momentâneo, mas na busca pelo bem mútuo. Segundo ele, “o homem sumamente feliz necessitará de amigos”.
• Ágape – O amor incondicional e altruísta, que transcende o indivíduo e se volta para a humanidade e o universo. Muitas vezes associado ao amor divino, Ágape envolve empatia, generosidade e um profundo senso de conexão com o outro.
A SEPARAÇÃO NA MEIA-IDADE
Depois dessa breve explicação, voltamos às nossas relações. Tudo começa com um relacionamento – palavra desgastada, mas que ainda carrega um significado profundo. Relacionar-se é multiplicar alegrias e diminuir a solidão essencial; é permitir-se ser visto, confortado, nutrido e estimado em nossa jornada fabulosa.
Essas relações são complexas tanto para um casal jovem quanto para aqueles com mais de 30 anos de casados. Mas por que é tão difícil se separar?
Colocar um ponto final em um relacionamento amoroso pode ser uma experiência avassaladora. Sentimo-nos horríveis, desesperançosos, inadequados, perdidos, solitários… E, muitas vezes, culpados. Nossa autoestima entra em crise, pois ainda carregamos o mito de que o “amor é para sempre”.
No entanto, mesmo acreditando nisso, os relacionamentos acabam. Desde que internalizamos essa ideia do amor eterno, nossas relações passaram por inúmeras transformações, enquanto nosso pensamento sobre elas não evoluiu na mesma proporção. Como resultado, muitas pessoas sofrem com a separação de forma destrutiva, marcadas por culpa, raiva, autoflagelação e uma profunda perda de autoestima.
Mas a verdade é que dificilmente alguém morre desse mal. Toda crise é, antes de tudo, uma crise de crescimento. De fato, a maioria das pessoas se transforma e se torna mais feliz depois de um divórcio – mas poucas sabem como atravessar essa experiência sem dor excessiva.
O “DIVÓRCIO GRISALHO”
Os chamados “divórcios grisalhos” têm aumentado consideravelmente nas últimas décadas. Duas grandes mudanças demográficas explicam essa tendência: a maior expectativa de vida e a redução do número de filhos. A fase da meia-idade, que costuma abranger dos 45 aos 65 anos, se tornou a mais longa do ciclo de vida familiar.
É também nessa fase que ocorrem grandes transformações no núcleo familiar: os filhos saem de casa, chegam noras, genros e netos… E, muitas vezes, aparece uma terceira pessoa na vida de um dos cônjuges. Se a relação não tiver uma base sólida, essas mudanças podem desestabilizar o casal.
O “divórcio grisalho” exige responsabilidade, pois as gerações mais jovens observam como lidamos com o fim de um relacionamento. Elas aprendem conosco sobre convivência, respeito e dignidade – tanto na união quanto na separação.
Muitas vezes, sentimos vontade de “deixar tudo para trás e recomeçar”. Mas isso é um engano: recomeçamos a cada minuto da nossa vida. Nada fica para trás; tudo se integra à nossa história.
Portanto, o divórcio na meia-idade pode ser uma grande oportunidade de crescimento e evolução – juntos ou separados.
SUGESTÕES PARA UMA SEPARAÇÃO AMISTOSA
Ao final de qualquer relacionamento, há um legado a ser reconhecido. Ele inclui todas as dádivas trocadas, as lições aprendidas e as mudanças vividas. No meio da dor do término, pode ser difícil enxergar isso – mas esse é o momento exato em que agradecer faz toda a diferença.
Algumas sugestões para uma separação mais saudável:
1. Refaçam suas histórias (pessoais e como casal) e relembrem o que os uniu no início.
2. Identifiquem o ponto de ruptura: traição, decepção, dificuldades financeiras, falsas expectativas, conflitos na criação dos filhos…
3. Redefinam suas vidas – carreira, trabalho e responsabilidades que antes passavam despercebidas.
4. Criem uma nova dinâmica de convivência, especialmente se houver filhos ou laços afetivos que permanecerão.
5. Encarem a separação como uma transição e não como um fracasso – todo fim também pode ser um novo começo.
Se o amor realmente acaba?
Talvez não. Ele apenas muda de forma.