10/06/2019
José acordou mais animado que de costume naquela manhã de domingo. Era dia de feijoada e seu time de futebol faria a final do campeonato. Lá fora brilhava um sol de outono maravilhoso. Olhou orgulhosamente para sua mulher que amamentava o bebê e suspirou gostoso: como é bom ter 35 anos cheio de saúde e vigor!
Ele vivia com a família em uma casa grande, herança dos pais, no mesmo bairro onde nascera.
Por volta de meio-dia, estava na sala com a TV ligada, conferindo o whatsApp, quando uma força estranha fez sua cabeça se levantar e seu olhar percorreu o ambiente - como se o visse pela primeira vez - até a cadeira de balanço onde seu velho pai doente mirava um ponto qualquer no vazio, mergulhado na depressão e no esquecimento.
No mesmo momento, misteriosamente, o filme de sua própria vida passou por sua visão interna: o nascimento, a infância, a adolescência, o colégio, os primeiros anos de juventude, a universidade, o diploma, a empresa e o trabalho, o casamento, o bebê, e o filme continuou até que se tornou velho e doente como o pai, sentado em uma poltrona na casa de seu filho, olhos vazios contemplando o nada, o hospital, o fim da vida, a morte.
O choque foi tão intenso que fez seu coração disparar: uma energia de fogo descia pela coluna e suas mãos tremiam!
Saiu então de casa e foi caminhando lentamente em direção a uma praça próxima, onde, sentado em um banco de jardim, respirou e respirou sob a luz do dia, até sentir uma calma e um silêncio profundos. Contemplou novamente o mundo ao seu redor: as mães com suas crianças, os cachorros, os jardins, o céu, o sol. Tudo agora parecia tão novo, tão vivo, tão real!
Perguntas que nunca fizera irromperam por sua mente: minha vida é uma repetição da vida do meu pai? A vida do meu filho será uma repetição da minha? Por que as coisas são assim? Poderiam ser diferentes? Uma dor que vinha do fundo do peito o incomodava, uma carência, uma saudade. Preciso de ajuda, preciso de respostas, preciso compreender este mistério que é viver e morrer neste mundo!
Daquele dia em diante ele nunca mais foi o mesmo, pois tivera acesso a um segredo que poucos no mundo conheciam.
Carmem Carvalho e Marian Bleier