19/10/2018
Quero falar do envelhecimento de outra maneira, sem chororó nem jogo do contente.
De fato, a velhice tem várias mazelas e elas são bem duras, difíceis, reais. Não preciso falar delas, os que estão velhos ou a caminho da velhice sabem do que estou falando. E já conhecem todos os tratamentos, remédios, fortificantes, elixires e milagreiros do mundo...
Cada período da vida tem sua função, sua importância, sua beleza. Uma criança de 2 anos não tem nada a ver com uma de 5 ou de 7. Um adolescente de 13 anos não é o mesmo que um de 16. Um jovem de 20 é diferente de um de 28. Viver é um processo contínuo e desejar que o tempo pare ou mesmo controlar o tempo é simplesmente impossível. A viagem segue queiramos nós ou não. E cada etapa é única e não se repetirá nunca mais da mesma maneira.
Ao longo de uma vida bem vivida, normalmente, o auge de nossa plenitude e beleza eu diria que está entre 40 e 45 anos. O corpo está mais relaxado, não somos mais tão frágeis emocionalmente e já adquirimos um certo poder mental. Neste caso, a experiência começa a fazer a diferença, pois não somos mais tão tolos e ingênuos.
Se um mago aparecesse em nossa frente e nos dissesse que tem o poder de tornar-nos jovens novamente, nenhum de nós aceitaria, pois seríamos obrigados a voltar no tempo, abrindo mão de toda a nossa bagagem de experiências e história, de nossas referências e perderíamos todos os familiares e amigos de hoje. Porque não dá para termos um corpo de 20 anos com uma maturidade, por exemplo, de 50 ou 60 anos. Tudo faz parte de um contexto que não pode ser separado.
Estas considerações nos ajudarão a compreender o que vou explanar a partir de agora.
Todas as fases de uma vida humana possuem benefícios e dificuldades, todo bônus tem seu ônus.
A decadência física que acompanha sempre a velhice nos obriga a encarar a fatalidade da morte. E isso, que tanto aterroriza a humanidade e que tanto nos aterroriza, pode fazer toda a diferença a nosso favor.
Nesta altura, o tal do ego que tornava nossa existência infernal, pois exigia performances geniais, recordes, fama, dinheiro e poder, beleza, prazeres de todo o tipo, agora, coitado, está reduzido às taças e medalhas, recortes de jornais e revistas, lembranças de glórias passadas e de dias felizes. A coisa mais ridícula do mundo é ego de velho lutando para se manter no controle. Não adianta querer virar nome de livro, rua, prédio, hospital, viaduto. Isso não terá a menor importância, pois não estaremos aqui para desfrutar.
O mundo do velho vai desmoronando: corpo, saúde, autoridade, funcionalidade, capacidade de sobrevivência e independência. A natureza precisa cumprir seu papel de trocar o usado pelo novo, o show deve continuar.
Praga? Não, pelo contrário, essa pode ser a única chance de
sermos verdadeiramente reais, inteiros, livres e felizes. Pode ser uma benção, porque há Algo muito precioso que pode sobreviver.
Por fora, pão bolorento, por dentro, bela viola, de som limpo, transparente, de
uma beleza única. Sagrada.
Em uma sociedade evoluída, vários de nós seriam considerados sábios e úteis na velhice, seres respeitados e admirados, hábeis conselheiros, naturalmente preparados para morrer e prontos para continuar o caminho após a morte do corpo físico.
Você, meu velho amigo, agora tem a chance de fazer uma viagem interior de retorno da velhice para a maturidade, da maturidade para a juventude, da juventude para a adolescência, da adolescência para a infância, da infância para o ventre da Grande Mãe - voluntariamente, intencionalmente, conscientemente, abandonando o corpo físico de uma forma serena e luminosa, para a Alegria de Nosso Criador, Eterno Pai Comum.
Aprenda diariamente a largar tudo e a fluir risonhamente com o fluxo inexorável e maravilhoso da Vida através de cada instante, de cada respiração.
Onde? Como? Talvez ainda haja tempo para você aprender, talvez ainda haja tempo para cada um de nós. Talvez.
Por Carmem Carvalho e Marian Bleier