16/08/2021
Quando o morador de rua bateu à porta da fábrica de roupas, Esmeralda foi atender com a ajuda de sempre: uma malha, um sanduíche e um copo de café com leite. Ela já fizera este gesto dezenas de vezes, mas, naquele dia frio e chuvoso, foi completamente diferente.
Era um homem ainda jovem, aparentava menos de trinta anos. Na época muitos haviam perdido casa e renda, era difícil viver assim. Ela sentiu uma enorme compaixão por aquele ser humano tão abandonado pelo governo e pela sociedade. Eles se olharam longamente, como se fossem velhos conhecidos. Com a cabeça molhada de chuva, o homem sorriu e permaneceu em silêncio, de pé no portão, sujo, cheirando mal, roupa esfarrapada, sapatos velhos. Sem saber como nem por quê, ela ofereceu os presentes e iniciou o seguinte diálogo:
“Qual é seu nome?”
“José dos Santos. Na rua me chamam de Anjo.”
“Então, Anjo, chega de esmolas. Você parece um homem forte. Gostaria de trabalhar, arrumar um emprego?”
“Gostaria muito, dona.”
“Então esteja aqui na segunda-feira às 7h da manhã.”
“Eu venho sim, pode me esperar! Muito obrigada, dona, juro que eu venho.”
Depois que o homem se foi, Esmeralda entrou em pânico. “E agora, como explicar para os patrões sua atitude? Eles tinham bom coração, mas contratar um mendigo sem eira nem beira! Bobagem, com certeza ele nem vai aparecer, a maioria deles prefere morar na rua bebendo e se drogando...”
Os donos da fábrica, um casal jovem, ouviram a história com tranquilidade e pediram que ela não fizesse mais aquele gesto sem, antes, consultá-los. Mas deixaram em aberto a possibilidade da experiência, caso o candidato aparecesse.
No dia e horário combinados, ele apareceu: banho tomado, roupa limpa, um documento na mão. Estudara um pouco, sabia ler e escrever. Sua primeira função foi carregar as caixas de mercadorias que chegavam de fornecedores e organizá-las no enorme depósito. Passaram-se meses, sem que ele faltasse nem atrasasse um único dia. Promovido, foi trabalhar no setor de entregas, despachando as mercadorias junto aos motoristas.
Os patrões e os colegas logo perceberam sua simpatia, boa vontade e inteligência. A empresa, então, pagou seus estudos em uma escola noturna e ele foi aprendendo e se desenvolvendo cada vez mais, ao longo dos anos. Hoje o ex-morador de rua, com 50 anos, é o diretor de Logística da malharia, comandando cerca de 100 funcionários, uma situação profissional e financeira tranquila e sólida.
Nos finais de semana, ele participa de uma instituição que ajudou a criar, voltada para a recuperação e inclusão dos moradores de rua da cidade, porque entende que é preciso retribuir a boa sorte, as benesses que recebemos na vida.
Nesta manhã de sábado, entretanto, ele despertou comovido e assustado, ao mesmo tempo, pois em sonhos ouvira uma voz muito doce que vinha do fundo do seu peito, dizendo: “Acorde! Esperei por você tanto tempo, chegou o momento de me encontrar e me conhecer nesta vida, neste mundo. Anjo, eu sou sua Alma!”