04/02/2019
Meu pai me contou que na lua de mel no Rio de Janeiro, ele foi fazer algo na rua enquanto minha mãe o esperava na janela do hotel. E por isso ela viu quando ele se aproximava, voltando para encontrá-la, e ela tinha reparado também numa moça muito bonita que estava em frente ao hotel. Quando meu pai sumiu da vista dela por conta da marquise que impedia a visão, ela imaginou (na versão dele) que ele e a tal moça bonita tiveram um affair. E quando ele chegou ao quarto minha mãe não estava cantando!
O que aconteceu entre meu pai e a moça embaixo daquela marquise? Eu não perguntei pra ele, nem minha mãe. Ela tinha certeza que eles tiveram alguma interação romântica e meu pai me contou essa história como um exemplo da fantasia ciumenta com a qual ela o teria atormentado inúmeras vezes. Cresci com essa questão: minha mãe era irracionalmente ciumenta ou meu pai era um irresistível conquistador?
Com esse histórico familiar não foi nada fácil para mim quando o namorado que tive aos vinte e cinco anos terminou seu curso de massagista e começou a atender. Eu não queria parecer em nada com minha mãe, por isso não perguntava sobre seus pacientes, mas ele sempre dizia algo, pois afinal eram seus primeiros atendimentos e ele estava muito feliz. Quando ele se referia a alguma paciente mulher, eu ficava muito incomodada, mas não demonstrava, afinal estava treinando para ser cantora!
Acontece que, certo dia uma moça tão bonita quanto aquela da lua de mel dos meus pais e que fazia parte da nossa turma de amigos começou um tratamento com meu namorado e ele não comentava nada sobre os atendimentos dela. Minhas orelhas foram ficando cada vez mais em pé.
Um dia, nós a encontramos numa festa. Meus radares ligaram todos e eu prestei atenção em todos os movimentos dele e dela. Nada de muito suspeito na maneira que se cumprimentaram. Ou será que aquele jeito tão normal escondia algo? Acabou a festa e não consegui nenhuma prova, mas o incômodo só aumentava. Comecei a stalkear * a vida dela - se tivesse Facebook naquela época!!!
Imagine a tortura que era imaginar ele fazendo massagem nela, os dois conversando, o que será que diziam? Uma vez, arrisquei perguntar timidamente se ele se interessava por ela. Ele me olhou gélido e disse que ela era sua paciente, como se minha pergunta fosse absurda. E acrescentou: "Viva e deixe viver". Odiei aquela frase, fui ficando cada vez mais doente de ciúmes, perdi toda espontaneidade e começamos a nos ver cada vez menos porque ele entrou na faculdade.
Desse jeito, o namoro foi terminando e eu ainda fiquei um bom tempo querendo descobrir o que acontecia entre eles, até que fui viajar e finalmente a história se apagou.
Que nada! Mais de trinta anos depois fui fazer uma massagem como cobaia de uma amiga. Estava muito gostoso, eu estava quase dormindo, mas de repente algo mudou e minha amiga perguntou: "O que aconteceu? Seu rosto ficou muito sério de repente!" Foi porque subitamente tinha voltado a mesma questão que tinha atormentado minha mãe. O que teria acontecido sob a marquise do hotel? O que acontecia na maca do meu namorado?
Agora existe Facebook e consegui localizar apenas ela. Não pedi para ser amiga, mas observei de novo suas poucas fotos que ficam disponíveis para curiosos. Procurei por ele nos amigos dela. Não achei, mas descobri que ela está casada com alguém que não é ele. Achei o irmão dele, entrei em contato e pedi o e-mail do ex-namorado. Escrevi várias versões de mensagens tentando explicar por que tinha ficado tão estranha com ele naquela época, contando essa história da lua de mel dos meus pais, justificando que o ciúme foi algo que adquiri das confusões da família. Antes de enviar, adormeci.
Quando acordei, percebi que não tinha que me desculpar, nem me explicar. Que, na verdade, o que eu tinha que fazer era perguntar: "Você e a Renata tiveram um caso? Esse caso começou quando você fazia massagem nela? Se sim, por que você não me confirmou quando eu perguntei? Se tiveram, por que terminou?" Fiquei pensando que era ridículo fazer essas perguntas tanto tempo depois. Que ele ia achar que eu era uma maluca obsessiva como meu pai achava que minha mãe era, mesmo assim teclei no enviar. A flecha tinha sido lançada, estava viajando até a caixa postal dele e eu não tinha mais como detê-la.
Fechei o computador e senti uma paz gigante. Percebi que tinha me dado o direito de perguntar, de querer saber. Que isso na minha vida é revolucionário! Entendi que quando vejo a expressão contrariada no rosto de alguém, posso perguntar o que está acontecendo e não mais me recolher, supondo que fiz algo inadequado, por exemplo. A ideia não é perguntar para colocar o outro contra a parede, nem exigir que as respostas sejam verdadeiras (isso é com a pessoa!) ou definitivas, porque afinal a vida está sempre fluindo, mas descobri que tenho o direito de perguntar, mesmo que o outro não responda. Entendi que posso olhar embaixo das marquises, embaixo dos panos e querer saber, afinal faço parte da equação.
Estou aconselhando isso pra todo mundo agora: Tem algo pegando? Procure pelas perguntas!
Você quer saber se ele respondeu? Me pergunte!!!
Te conto na próxima crônica!
*Stalkear é o verbo que criamos em português a partir da palavra inglesa stalker que significa perseguidor. É um jeito mais "bonitinho" de dizer que estamos fuçando a vida de alguém nas mídias sociais.
Foto que meu pai tirou da minha mãe na lua de mel no Rio de Janeiro lá pelo final dos anos 40.