14/02/2013
Sentamos numa roda, pessoas que na maioria eu não conhecia. A proposta era experimentar um Círculo de construção da Paz, uma metodologia criada por Kay Pranis, dentro do contexto da Justiça Restaurativa de Minnesota, nos Estados Unidos.
A moça que conduzia colocou vários gravetos no meio da roda e propôs que cada um fosse lá, na sua vez, e fizesse o que quisesse com eles, sem falar nenhuma palavra.
Teve gente que fez uma pilha de fogueira, outros espalharam os gravetos por todo lado, uma moça se deitou e colocou alguns em cima dela, alguém fingiu que era um jogo de palitos e assim foi indo.
Como achei o exercício chato sempre que chegava minha vez eu passava, para ver se acabava logo e íamos para outra etapa.
Aos poucos outras pessoas foram também passando, mas algumas, entregues à tarefa, continuavam fazendo muitas criações, sem perceber que cada vez mais tinha gente querendo encerrar.
A impaciência em mim e em outros foi visivelmente crescendo. Já comecei a mexer no celular. Uma moça foi lá e desfez a palavra “Amor” que um jovem alegre tinha escrito com os gravetos e escreveu “ Fim? “
Aí alguns riram bastante, deixando claro que não queriam mais continuar, mesmo assim alguns outros não perceberam, ou ainda queriam se expressar, e não encerravam.
Demorou até que finalmente todos pararam e aí pudemos comentar o que tinha acontecido. Uma moça falou de como se percebeu intolerante, da raiva que sentiu, e vários outros também se expressaram nessa linha.
A moça que conduzia contou que num outro lugar um homem que já não aguentava mais esperar que terminassem, pegou os gravetos, colocou numa bolsa, levou até o carro, deixou a bolsa lá, voltou e colocou a chave do carro no centro da roda.
Imediatamente alguém pegou outros objetos na sala e colocou no lugar dos gravetos sequestrados e outros participantes, que também tinham dado sinais de impaciência querendo terminar o jogo, voltaram a mexer nos novos “gravetos” para mostrar para o homem do carro que aquele não era um jeito de terminar!
Pois é, o exercício proposto não era chato como eu pensava... foi poderoso porque mostrou para todos nós que temos que afinar as diferenças se queremos navegar juntos.
Há opção de não estar no barco, na nave? Tem como parar o mundo e descer? Empurrar alguns lá no espaço sideral? Sem chance, porque posso até jogar alguns, mas, replicantes, eles voltam com outro rosto!
Então que caibamos todos: aquele que quer se demorar, o apressado como eu, o raivoso, aquele que quer decretar o fim... Partilhar a vida do jeito que ela se apresenta com esses muitos abundantes que se chamam pessoas ...
Esse é um dos preços da existência que, na solidão do meu mundinho particular protegido, tenho a ilusão de que não preciso pagar.
Não adianta trancar os gravetos no carro, eles não deixam de existir, replicantes eles também. Não adianta ignorar a periferia desrespeitada, parte dela vai lá e arromba casas para roubar nossa ilusão de que estamos a salvo de compartilhar recursos.
No silêncio, que era a regra da atividade com os gravetos, pude me ouvir, algo que é muito incomum nesse mundo de falantes e assim tive também a oportunidade de escutar o ronco da nossa grande “Nave Espacial Terra” *. Meu Deus, quantos tripulantes somos nós indo sei lá para onde! Como foi que se inventou essa grande brincadeira?
Seja lá qual for o destino, o propósito, o que sei é que estamos juntos. Não tem graça deixar para trás quem está mancando, mesmo porque vai chegar a minha vez de ter pernas desobedientes.
Vamos juntos, escutando no silêncio uns aos outros, criando alegria na jornada para contrabalançar as lágrimas que sempre vem.
Venho sacando que sou só um pontinho nessa imensa rede que se chama Vida, mas que dali, do alto da minha insignificância, posso gerar luz e trevas, amor e ódio, cuidado e intolerância e assim estou sempre impactando os outros pontinhos ao meu redor, que por sua vez, também vão produzir suas próprias vibrações...
Sou apenas uma, mas descobri que nessa grande Nave o comandante somos todos nós, tripulantes. A cada decisão, escolha, ação estou/ estamos realizando nossa navegação.
* A ideia da Terra como uma nave vem do "Manual de Instruções para a Nave EspacialTerra", que é um livro de Buckminster Fuller, arquiteto, matemático, cosmológo, inventor…
Foto de Paula Vanessa Bernal Pezoa (mãos dos integrantes do grupo de Dança Circular dos domingos no Cemucan)