13/02/2017
Participei de uma vivência. A orientação era que nos juntássemos em duplas. A pessoa 1 devia perguntar: “Sobre o que você quer pensar e quais são seus pensamentos?” A pessoa 2 deveria então começar a falar livremente e sem olhar para aquela que a ouvia. Quem estava escutando não podia interferir, dar palpite, fazer perguntas, mas deveria manter a atenção total, procurando evitar se distrair. O fato de não haver troca de olhares era muito importante senão quem falava já começava a procurar conexão no olhar do outro e voltava para a maneira habitual que temos de conversar. Havia um tempo marcado de cinco minutos e depois o falante e o ouvinte invertiam seus papéis.
Levei muito a sério o exercício e percebi que estava tendo pensamentos inesperados. Era um fluxo contínuo no qual eu estava entregue ao ato de pensar. Quando terminou senti alívio, como se algo tivesse saído de mim.
Fiz essa prática com duas amigas enquanto andávamos na praia. Foi tenso. A primeira a falar criticava muito uma de nós. E essa, que estava sendo criticada, queria replicar, contestar, mas eu pedia que não fizesse isso e que não olhasse para aquela que estava falando. Ela conseguiu se segurar, ouviu tudo e teve, depois, seu tempo de dizer o que achava das opinões desfavoráveis que tinha ouvido. Foi dura também. Quando chegou minha vez, eu disse honestamente o que pensava sobre o que tinha ouvido. Depois a amiga boa de crítica voltou seu julgamento na minha direção. Percebi que enquanto ouvia eu argumentava com ela em pensamento, me preparando para responder quando chegasse minha vez. Mas quando chegou, achei bom terminar a prática em vez de falar. Estávamos nas margens de um rio lindo. Percebi que o que eu diria não era necessário, eram apenas palavras de defesa e de ataque.
A paz imediatamente se instalou entre nós. A impressão era de que o que tinha sido dito havia evaporado. Não havia mais necessidade de retomar o assunto.
A ideia de quem criou esse “ambiente para o pensar”, que conheci na vivência, foi de tornar nosso pensamento independente. “Independente do quê?”, perguntei. Da maneira que pensam nossa família, a igreja, e escola, a TV…
É verdade, meu pensamento é totalmente condicionado pelo que sou e vivo. O seu também, sabia? Consegue perceber isso? Consegue ouvir seu pensamento a cada novo estímulo? Eu não quero ter pensamentos moralistas, mas tenho. Não quero dividir o mundo em gosto e não gosto, mas é o que vivo fazendo, e com prazer!
Lá na praia tem dois supermercados, um ao lado do outro, vou sempre no da esquerda porque o povo ali é muito simpático. Dessa vez resolvi ir naquele das pessoas que não são simpáticas nem acolhedoras. Resolvi ir na contramão do “não gosto! então rejeito”. Não doeu!
No livro” A arte de ler mentes” aprendo que gostamos de quem se parece conosco, tem os mesmos hábitos, valores. Criamos assim identificação, nos sentimos pertencendo. Se você começar a imitar os gestos e postura de alguém que você nunca viu antes é quase certo que essa pessoa virá te perguntar se vocês não se conhecem de algum lugar, diz o livro. Porque ela vai te achar incrível pois você se parece com ela! Chega a ser ridículo como somos manipulados por nós mesmos!
Enfim! Estou treinando pensar de forma independente. Antes disso! Estou treinando conhecer meu pensamento, esse continente selvagem!
* Essa prática de falar livremente enquanto alguém te ouve com toda a atenção se chama Thinking Environment e foi criada por Nancy Kline. O que falei aqui é apenas uma pincelada. O livro A arte de ler mentes foi escrito por Henrik Fexeus e a ideia da mente condicionada conheci nos textos das transcrições das palestras do Krishnamurti.
Na foto de Alberto Lefevre, as três amigas na praia.