30/09/2013
Fui com amigos num albergue onde moradores de rua podem almoçar, jantar, tomar banho. Eles não têm acesso aos quartos, para que não passem o dia ali. Ficam então no pátio da frente, sentados, quando não estão pelas ruas. Um deles se aproximou de nós reclamando que se sentia piorando por causa das pessoas que frequentavam o lugar. Meu amigo então respondeu: “Depende de você!” O homem ficou tão desconcertado e eu, que estava ali toda acolhedora, também; mas logo percebi que meu amigo tinha plantado uma sementinha de poder dentro do coração daquele homem. Espero que floresça.
Outro dia, numa conversa, eu reclamava de uma amiga. Em certo momento eu disse: “Mas o que eu estou dizendo? Não há ninguém lá do outro lado. Nós não existimos com uma entidade verdadeira, somos um amontoado de emoções, pensamentos que estão mudando o tempo todo. O que estou reclamando dessa amiga já não está existindo agora!” Meu amigo respondeu: “Sim, podemos não existir como entidades sólidas, mas existimos na relação.”
Uau! É verdade. Na relação impactamos. Se meu chefe me demite, muda toda a minha vida, para ficar num exemplo muito fácil. Daí a necessidade de ser muito consciente nos relacionamentos, e como li num livro de Eva Pierrakos (Pathwork): quem é o mais forte na relação é o responsável por ela.
Tive um namorado que tinha um emprego que exigia muita precisão e então, para não errar, ele ia dizendo: “Agora estou colocando a lente, agora estou buscando o filme... agora... “ Esse método já me salvou várias vezes da minha total distração. Ele era muito organizado e com ele aprendi a deixar um pratinho ao lado do fogão para colocar os talheres que estão sendo usados para cozinhar.
Um dia falei para minha amiga: “Vou te observar para aprender com você a ganhar dinheiro”. Ela respondeu: “Começou mal então, porque eu nunca penso como vou ganhar dinheiro, eu penso em onde vou colocar minha energia, onde posso me divertir trabalhando”. Com ela aprendi também que quem não gasta e não investe, também não ganha.
Gosto de observar como essa amiga lida com sua casa e assim aprendi que a limpeza e a ordem tem uma energia perceptível que acalma. É lindo vê-la cuidando da roupa. Ela tira da máquina de lavar e coloca as roupas úmidas uma sobre a outra bem esticadas e deixa descansar, para que o peso delas faça seu trabalho de assentar a roupa. Depois leva para o varal e ao retirar faz do mesmo jeito. Depois dobra alisando com a mão como se estivesse passando e depois as deixa de novo empilhadas por mais um tempo. Assim elas acabam parecendo que foram todas muito bem passadas. Detalhe: ela separa tudo por cores, por isso o ambiente onde ela está fazendo isso se torna lindo. O trabalho doméstico acaba assim sendo artístico e sacralizado. Ela também otimiza tudo que tem. Como ela mesmo diz: “ela faz com o que está tendo...” Tem um olhar que percebe as potencialidades dos objetos e pessoas e vai assim combinando, realizando.
Aprendi a não tentar reduzir o mundo com generalizações, a falar sempre na primeira pessoa e a escrever assim também. Nada de “as pessoas, a gente...”. Isso muda muito a maneira de ser e atuar no mundo. Também aprendi a me responsabilizar pela minha parte em qualquer situação. É o primeiro lugar a se olhar. Revolucionário também.
Agora, é a vez de tentar tirar o “tem que”. Difícil! Se “tenho que” terminar essa crônica, isso me deixa numa posição de vítima fácil, fácil. Não tenho que... eu quero terminar. Eu decidi e se estou escrevendo na madrugada é apenas porque não fiz antes!
Enfim, sugestão: Experimenta tirar o “tem que”, a falar na primeira pessoa e a se responsabilizar. Não generaliza, descobre no que você quer investir se divertindo, procura lembrar que tudo depende de você. Presença sempre no que faz, ser organizado para deixar tudo fluir mais facilmente e muita consciência nas interrelações.
Essas foram algumas das lições que aprendi observando, conversando... aprendi com esses muitos professores disponíveis com quem tenho a sorte de interagir. Eles estão por aí ... são muitos, são todos nós... que temos sempre algo a ensinar e a aprender... Delícia!
Foto Ligia Vargas: Thales e Pedro, sempre aprendendo um com o outro.