29/07/2009
Perdi uma grande oportunidade, quando minha filha era pequena, de tentar criar alguma coisa nova no assunto de religião e crianças...
Ela estava com os seus seis anos de idade, mais ou menos, e chegou a hora da primeira comunhão (minha família, bem como a de minha esposa, é cristã). Como já eram os novos tempos (já na década de oitenta eram novos tempos?), a Igreja exigia que para a criança passar pelo batismo, pela crisma ou pela primeira comunhão, pais, mães, padrinhos e ela mesma, a criança, quando possível, passassem por cursos preparatórios. Veio a questão inevitável: o que ela vai aprender nesse curso? História Sagrada, ou seja, a Bíblia. Mas como será contada essa tal História Sagrada? Imediatamente vieram à minha mente as histórias que eu ouvi na infância. Muitas eram repletas de um sentimento estranho de culpa e de medo. Não sei exatamente de onde vinha esse sentimento, mas estava lá (já nos contos de fada, não...).
Refletindo mais um pouco, percebi que as histórias em si não eram a questão; o medo e a culpa estavam muito mais nas pessoas que as contavam do que naquilo que era contado. Mas será? Será que aprender que alguém teve que ir para a cruz para salvar-me pode ser uma história assim light, sem culpa, sem medo? Com toda aquela iconografia de rostos cheios de sofrimento, chagas abertas, sangue escorrendo... coroas de espinhos, chibatadas... traições... lembro-me de minha mãe ou minha avó, e a expressão de tristeza que tinham... não quero que minha filha tenha uma relação assim com deus, seja lá o que for que ele seja, esteja, venha a ser. Então — como fazer?
Esse tema sempre me ocupou a mente: a religião deve ter que emoção? Que “emocionar”, como diria o biólogo chileno Humberto Maturana, sustenta as idéias sobre a religiosidade? Uma vez, adolescente, acampei em uma praia perto de Bertioga. Lá havia uma comunidade caiçara, com várias crianças, que era visitada regularmente por um padre de São Paulo. Eu me lembro de ter ficado chocado com o peso da religião ensinada por ele para aquelas crianças tão próximas da natureza. Fiquei tão revoltado que entrei na sala de aula em que as crianças e ele estavam, afirmando peremptoriamente que deus não era aquilo... coisas da juventude. Ainda bem que o padre era sábio (por outro lado...) e soube relevar a minha arrogância juvenil!
Mas eu falava do sentimento que dá base à religião. Lá estava eu, com um problema nas mãos, que era: a quem confio a formação religiosa da minha filha? Como posso tentar, ao menos tentar, fazer com que ela tenha um contato inicial com a religião de maneira a que deus possa ser-lhe apresentado como um ser compassivo, alegre, interessado na vida de todos nós, e não ligado indissoluvelmente aos julgamentos, ao pecado, ao sofrimento?
Andei, zanzei, perguntei, conversei, e nada. Surgiu, depois de algum tempo, uma luz. Lembrei-me de, apesar de não ser um católico praticante, ter um dia ido a uma missa em uma igreja de bairro, simples. Essa missa era oficiada por um padre italiano que parecia realmente interessado no bem-estar e na vida dos fiéis. Parecia bem presente ali, com seus sentimentos e na sua conversa que tinha com eles na homilia. Tive ali a sensação de participar de uma verdadeira comunidade. Após a comunhão, senti realmente uma Presença, e um modo de ver as coisas mais pacífico e completo... então! Vou procurar esse padre, para saber o que ele me aconselha.
Ocupações muitas, acabei não podendo ir falar com ele pessoalmente. Mas mandei-lhe, através de uma conhecida em comum, um bilhetinho, perguntador:
Padre, minha filha precisa fazer o cursinho para a Primeira Comunhão. Quero que esse curso seja feito sem medo e sem culpa. O que o senhor me diz?
Dias depois, vem o bilhetinho de resposta do alegre padre italiano. Uma folha de papel simples, escrita apenas:
Então venha dar você.
E não é que eu não fui?!?
Ah, se fosse hoje... talvez eu soubesse como fazer. Mais provavelmente, teria que dar um duro danado para ensinar religião sem medo e sem culpa.
Mas não valeria a pena o esforço?