24/11/2010
de Alexandra Pericão, inspirado num conto Iorubá
Logo que o mundo foi criado, a Verdade e a Mentira também surgiram.
Há quem diga que uma era preta, feito a noite sem estrelas, e a outra branca, feito a neve das montanhas. Qual, porém, era a preta e qual a branca, ninguém nunca soube dizer.
De maneira que, até hoje, a única coisa sabida é que eram inimigas mortais.
Certa vez, ao raiar do dia, encontraram-se por acaso, num susto.
A Mentira bem que tentou se esconder atrás de um arbusto, mas a Verdade já foi logo alertando que dali não arredava pé. A Verdade adorava confrontar, já a Mentira...
Como não havia jeito de se entenderem, pois uma dizia “É preto! e a outra “É branco!”, não tardou para desembainharem suas espadas e travarem uma luta sangrenta. E como sabiam lutar!
Já era quase meia-noite e nenhuma das duas havia sofrido nenhum arranhão sequer: ambas aguardavam o momento certo para o golpe fatal.
Até que, à meia-noite em ponto, ambas baixaram suas guardas, deram um passo à frente, partiram para o ataque e... ZÁS!
Como num balé ensaiado, deceparam-se ao mesmo tempo.
De cada pescoço, o sangue jorrava feito larva de vulcão.
Naquele tempo, porém, perder a cabeça à meia-noite em ponto dava ao decepado o direito de ainda tentar se recompor em alguns segundos.
E no corre-corre daqueles pobres corpos sem cabeça, cada mão direita pegou a primeira que encontrou.
Não se sabe se por azar ou sorte, o corpo branco pegou a cabeça preta e o preto a cabeça branca.
Pronto! Cada corpo, uma cabeça.
Qual, porém, era a Verdade e qual a Mentira, ninguém nunca soube dizer.
De maneira que a Verdade agora tem um pouco da Mentira e a Mentira um pouco da Verdade.
E quem já viu novo encontro entre as duas, garante que, ao invés de “É preto! “ou “É branco!”, ambas diziam em coro: “Talvez!”.
Moradora da Granja, atriz, arte-educadora, escritora e contadora de histórias alexandrapericao@uol.com.br |