23/06/2010
Por Risomar Fasanaro
A primeira mensagem que abri na sexta–feira pela manhã era um lindo texto que diziam ser de Jorge Luís Borges. Com a leitura daquela mensagem, pressenti que teria um dia muito especial. É que naquela noite uma de minhas maiores amigas, Alfredina Nery, estaria comemorando 40 anos de magistério, e os amigos que acompanharam seu trajeto se reuniriam para uma comemoração. Esperava que aquela sexta-feira só me trouxesse alegrias. Mas não foi bem assim.
Logo depois vi pela internet que José Saramago havia morrido, e sempre que morre algum artista fico muito baqueada, e quando se trata de alguém que além de artista é uma pessoa imprescindível como é Saramago, já sei que a dor poderá passar, mas reviverá a cada leitura de seus textos, a cada lembrança de suas palavras.
Tardiamente vim a conhecer a sua obra. Mas ela me veio por mãos muito especiais, em 1980.
Eu me correspondia com José J. Veiga, o escritor goiano, e um dia ele me perguntou se já havia lido algum livro do autor português. À minha resposta negativa ele me enviou três páginas datilografadas por ele, do livro “Levantado do Chão”, que estava lendo.
Foi amor à primeira vista, e ao expressar isso ao José J. Veiga, ele me enviou o “Memorial do convento”. Os outros eu mesma comprei.
Ler Saramago é esquecer-se de comer, de beber, de dormir, tanto nos prendem seus textos, mas entre tudo que escreveu o que mais me emocionou foi quando em seu discurso de posse ele falou com toda ternura sobre o avô camponês e suas lembranças de menino.
Ali percebi que o avô esteve sempre presente em suas obras, que muitas vezes se mesclou em algumas de suas personagens. Sim, cada um tem aquilo que merece. Além de um avô, o de Saramago é responsável por aquela sensibilidade, por aquele olhar que tudo via, por aquele coração que pulsava sob o ritmo de um fado.
A sua figura humana sempre me fascinou, seja por ter sido uma pessoa verdadeira, por ter tido a coragem de revelar ao mundo quem ele era; por ter sido sempre fiel aos seus princípios, às suas crenças. Talvez o homem Saramago tenha me fascinado tanto ou mais do que seus textos.
Amigo de Fidel Castro, quando este mandou executar três dissidentes cubanos, ele rompeu os laços que tinha com o governante cubano. A partir dali, disse ele, seguiremos caminhos opostos.
Naquela ocasião constatei o quanto era corajoso ao se colocar contra qualquer um quando se tratava de defender a vida, e minha admiração cresceu muito mais... Quem entre os grandes da atualidade é capaz de um gesto tão nobre? Pouquíssimos.
Quem sabe, como Fernando Pessoa ele tenha concluído que diante da vida a literatura não é nada? Livros, disse um dia o poeta, são apenas papéis pintados...
Antonio Gonçalves Filho no jornal “O Estado de S. Paulo” de domingo nos revela que para Saramago “a democracia está gravemente enferma, e é preciso ensinar cidadania às crianças antes que seja tarde”.
Minha sexta-feira terminou com o reencontro de amigos que compareceram à comemoração de minha amiga, e mais do que nunca refleti sobre a importância dos amigos, e sobre a importância da vida que tanto Saramago defendeu.
Pernambucana, veio para Osasco com 11 anos. Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de "Eu: primeira pessoa, singular", obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil. |