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Esquizofrenia Doença psiquiátrica se caracteriza pela perda do contato com a realidade.

23/11/2020



"O esquizofrênico é um frágil gérmen de vida que procura em vão romper a densa casca que o impede de ver a luz do mundo. " (Nise da Silveira) 


A esquizofrenia é uma doença psiquiátrica endógena, um dos tipos de psicose, que se caracteriza pela perda do contato com a realidade.

O termo esquizofrenia vem do grego e significa "mente dividida", caracterizando a dissociação entre os pensamentos da pessoa e a realidade.

Durante muito tempo, os pacientes com esquizofrenia tinham um mesmo destino: a internação em asilos ou hospitais psiquiátricos, com a consequente exclusão social durante anos. Sabe-se que é uma doença que sempre existiu, constatada em descrições históricas muito antigas.

Inicialmente, os sinais se apresentam em pessoas fechadas em si mesmas, com o olhar perdido e uma certa apatia em relação ao que ocorre a seu redor.

Algumas características podem ser notadas desde a infância: crianças tímidas, introvertidas, tendo na adolescência um aumento do isolamento, queda no rendimento escolar, o que muitas vezes se confunde com características próprias da adolescência. É preciso estar com um olhar atento e cuidadoso, pois esse jovem pode começar a não reconhecer o próprio corpo e sua identidade, tendo uma perturbação na consciência do eu, podendo evoluir para uma crise psicótica. 

A crise pode ser desencadeada por vários fatores, como a perda de um familiar ou namoro, mudanças de casa, ingresso na universidade.

O surto psicótico tem como característica uma agitação psicomotora, comportamento desorganizado e alterações na sensopercepção, como delírios e alucinações, que fazem parte do que chamamos de sintomas positivos. 

Os sintomas positivos ou produtivos aparecem mais na fase aguda da doença, como os delírios, que são ideias ou pensamentos irreais. Apesar disso, se constroem com uma lógica perfeita e não é possível removê-los com argumentações pois a pessoa acredita realmente naquilo. O delírio mais comum que aparece no esquizofrênico é o persecutório, muitas vezes é muito bem elaborado, sendo que o indivíduo se sente perseguido por pessoas ou acredita que há um complô armado para destruí-lo.

Ainda como parte dos sintomas positivos, estão as alucinações, que se caracterizam por percepções independentemente de estímulos externos, na audição, visão, olfato, paladar ou tato.

Nesta fase aguda, o pensamento e o discurso são desorganizados, podem apresentar muita ansiedade, comportamento impulsivo e agressividade.

Existem ainda os sintomas negativos que podem estar presentes em toda a evolução da doença, trazendo deficiências na motivação, emoções, discurso, pensamento, falta de iniciativa, isolamento social e apatia. Em um estágio mais avançado da doença pode ocorrer prejuízo cognitivo, na concentração e memória. Esses sintomas são mais resistentes ao tratamento e são os que aparecem primeiro, com o isolamento, diminuição do apetite e cuidados com higiene, ansiedade por se sentir diferente, porém, não chamam tanto a atenção como os delírios e as alucinações.

Geralmente, a esquizofrenia se instala entre os 18 e 25 anos no homem e por volta dos 30 anos na mulher e incide em aproximadamente 1% da população, independente de raça, cultura ou diferenças sociais. Pode também ocorrer em crianças e adolescentes (hebefrenia), com prognóstico menos favorável.

Estudos mostram causas genéticas, (observa-se por exemplo, que em gêmeos monozigóticos a probabilidade que ambos tenham a doença é de 48% enquanto que entre os dizigóticos é de 17%). Existem, ainda, causas ambientais e neurobiológicas, quando se observa alterações bioquímicas no cérebro (principalmente nos neurotransmissores e em especial a dopamina).

Com relação ao tratamento, houve um progresso grande tanto da evolução das medicações quanto da visão que foi se transformando sobre a doença mental. No início da década de 50, surgiram os primeiros medicamentos antipsicóticos, que ajudaram no tratamento dos sintomas, porém, traziam muitos efeitos colaterais, como problemas motores, tremores, torcicolos violentos e rigidez muscular. Mas esses medicamentos de primeira geração ainda são bastante utilizados por terem um custo menor. Hoje os medicamentos evoluíram muito, com menos efeitos colaterais, mas mesmo assim, há casos em que não há alívio dos sintomas. Para esses casos refratários, a tentativa é a administração da Clozapina, muitas vezes trazendo boas respostas, porém com efeitos adversos como sonolência, tontura, taquicardia, constipação e hipersalivação. Como efeitos mais graves, podem ocorrer convulsões, efeitos cardiovasculares e febre.

Cerca de 20% dos pacientes com esquizofrenia melhoram e alguns se recuperam por completo, mas é comum surgirem problemas sociais, como o desemprego e pobreza, ou o agravamento de problemas de saúde, além de uma elevação na taxa de suicídio de cerca de 5%.

A reabilitação psicossocial tem se mostrado extremamente importante no tratamento das psicoses em geral. A partir da Reforma Psiquiátrica nos anos 80, com a desinternação dos pacientes em Hospitais Psiquiátricos e a implantação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) houve uma mudança no olhar da doença mental que antes, era estigmatizada, internando os pacientes em asilos ou hospitais psiquiátricos por anos, isolados da sociedade e da família, o que só agravava ainda mais seu estado emocional.

Nos CAPS's é visível a diferença dos pacientes que hoje ali os frequentam daqueles que antes eram internados. Eventualmente a internação ainda ocorre hoje em dia em hospitais gerais, mas por períodos curtos, somente em casos em que o paciente coloca em risco a si ou a outros. 

A reabilitação psicossocial se dá por meio de várias atividades realizadas dentro e fora dos CAPS's, por uma equipe multidisciplinar (psicólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, técnicos de enfermagem, artesãos, assistentes sociais e psiquiatras).


Alucinações auditivas e o Movimento dos Ouvidores de Vozes


Dentre as alucinações, as mais comuns são as auditivas, que envolvem a percepção de sons sem que haja estímulo auditivo. As mais frequentes são a percepção de vozes inexistentes. Em geral, o paciente escuta vozes dos “perseguidores”, que dão ordens ou comentam o que ele faz. São vozes imperativas que, muitas vezes, podem levá-los a cometer suicídio ou ferir a si mesmo. Contudo, pessoas que não são sofrem qualquer transtorno mental também podem ter esse tipo de experiência.

Paralelo à Reforma Psiquiátrica, surgiu, nos anos 80-90 na Holanda, a partir de estudos de Marius Romme e Sandra Escher, um movimento de psiquiatras, pacientes e familiares que foram se aproximando de pessoas que ouviam vozes.

Romme e Escher observaram que o ouvir vozes nem sempre era um fenômeno patológico. Desenvolveram, então, uma nova abordagem que enfatiza o aceitar e dar sentido a esta experiência. Essa abordagem foi se desenvolvendo em outros países como Austrália, Nova Zelândia, Reino Unido e Alemanha, formando grupos que constituíram o "Movimento dos Ouvidores de Vozes".

Tal abordagem se baseia na constatação de que o fenômeno de ouvir vozes é mais prevalente na população do que se pensa. Cerca de 2 a 6% da população podem ouvir vozes, de modo que essa pode ser caracterizada como uma experiência humana normal, nem sempre é sintoma de uma psicose, (já que somente uma minoria é diagnosticada como esquizofrenia), podendo ser uma reação de estresse pontual e por isso, pode ter um significado na história de vida. Por exemplo, na maioria das crianças que ouvem vozes, percebe-se uma relação com eventos traumáticos, como abuso físico ou sexual, negligência emocional, bullying, perda de algum ente querido, separação dos pais.

Embora o tratamento das doenças mentais seja atualmente mais humanizado nos CAPS's do que eram nos manicômios, a visão da psiquiatria ainda é a de eliminar os sintomas e considera as alucinações auditivas como um fenômeno desprovido de sentido e que deve ser eliminado. Para tanto, utiliza medicamentos que muitas vezes ajudam, mas promovem uma série de efeitos colaterais, como apatia, robotização, ganho de peso, rigidez muscular e embotamento afetivo.

Esta visão, ao buscar eliminar as vozes, acaba rejeitando todo o seu significado e, consequentemente, a própria pessoa. Isso porque se baseia na ideia de que falar sobre as vozes é estimular os delírios, como se a pessoa pudesse perder o controle (a pessoa é vista como louca, perigosa, anormal) portanto, ela é desencorajada a falar sobre isso.

 Ao contrário desta abordagem, o movimento dos ouvidores de vozes procura acolher e ouvir a experiência destas pessoas: quais as características das vozes, o que dizem, como surgiram, são vozes masculinas ou femininas, qual a idade, o que representam? Quais sentimentos desencadeiam: raiva, tristeza, sentimentos sexuais, solidão?

Muitos consideram libertador poder falar, vão aprendendo a lidar com elas, aceitar, diminuindo estigmas e aumentando a autoestima.

Muitas pessoas que ouvem vozes não se incomodam com isso. Alguns relatam que até se sentem bem, como se fossem companhias agradáveis, considerando-as reconfortantes e inspiradoras. No entanto, as vozes podem ter um efeito perturbador quando são hostis, controladoras, chantageiam, ameaçam, diminuindo a autoestima, dão ordens, provocam ansiedade e sofrimento. Nesses casos os pacientes se beneficiam do uso das medicações e até tratamentos novos à base de pulsos magnéticos.

Há relatos de personagens famosos que são ou foram ouvidores de vozes, como Winston Churchill, Mahatma Gandhi, Anthony Hopkins, Sigmund Freud, Carl G, Jung, Brian Wilson, John Nash, Zinedine Zidane e muitos outros.

O movimento de ouvidores de vozes tem uma abordagem social, com grupos que trocam suas experiências e tem um apoio mútuo além do familiar; criam estratégias de enfrentamento, para compreender as vozes, aprender a estabelecer limites (podendo desobedecê-las, por exemplo), criar espaços para reconhecê-las ao invés de confrontá-las, trabalhar a ansiedade e a culpa. O objetivo não é a remissão das vozes, mas aprender a ter controle sobre elas. Importante também é poder criar estratégias para lidar com elas no dia a dia e no convívio com a sociedade. Por exemplo, uma pessoa que está na rua e começa a ouvir alguém falando com ela, pode fingir que está conversando com alguém no celular, para não se expor às críticas dos outros.

Os grupos de ouvidores de vozes estão se espalhando, podendo acontecer em espaços diversos, como igrejas, associações e, principalmente, nos CAPS's. No entanto, profissionais que têm estudado esta abordagem necessitam discutir com a equipe que ali trabalha para atualizá-los e passar essa nova visão, principalmente com o psiquiatra. Assim, o próprio paciente é capaz de decidir junto ao psiquiatra o que ele considera melhor para si: o uso ou não da medicação.


Referências Bibliográficas


Esquizofrenia-entrevista- Dráuzio Varella com Dr. Wagner Gattaz em

drauziovarella.uol.com.br-entrevista 2-esquizofrenia/entrevista

Eleonor Longden- Um relato sobre a experiência de ouvir vozes

Dirk Corstens, Sandra Escher e Marius Rome- A abordagem Maastricht- aceitando e trabalhando com vozes.



Viviane Horesh (vivihoresh@uol.com.br) é psicóloga pela USP, com formação em Psicologia Junguiana e Gestão em Saúde Pública. Tem larga experiência no atendimento clínico e na rede pública, nos CAPS adulto e infantil e Residência Terapêutica de Cotia.


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