10/01/2006
É tão bom fazer uma surpresa, entrar de mansinho e surpreender a pessoa no seu cotidiano. É tão bom mas precisa de uma colaboração, mesmo que inconsciente, da mesma. Desencontros acontecem, desencontros em meio a uma surpresa não podem acontecer. Mas comigo... Sim, aconteceu.
Só o que eu precisava fazer era sentar em um sofá em frente à loja da surpreendida e esperar até o horário do jantar e aí sim, surpresa! Script repassado algumas vezes, ensaios discretos comigo mesmo e eu estava aparentemente pronto. Um deslize de olhar, pequeno abaixar de cabeça. Foi o suficiente para que a suposta surpreendida saísse da loja sem me notar, o que afinal de contas era o meu intuito, mas na direção contrária a minha pessoa. Atônito e sem reflexos, eu a segui. Esqueci que tinha voz para gritar e pernas para correr. Realmente achei que se eu andasse como quem passeia alcançaria. Vira a primeira à direita, viro a primeira à direita. Depois à esquerda e lá vou eu à esquerda. Um lance de escadas, estilo caracol. Apertei o passo pela primeira vez. A eminência de uma possível perda de contato visual me assustou. Shopping lotado. Pequeno, mas lotado. Sem problemas, ela virou à direita. Dez segundos depois eu também, me preparando psicologicamente para a suada surpresa. Em vão. Ela havia sumido em meio a pequena multidão que se aglomerava na troca de presentes pós-natal. Perguntei para o segurança, segundo as devidas descrições, se ele a tinha visto. “Olha meu rapaz, milhares de pessoas passam por mim todos os dias, e só passam...”. Tive a impressão de que se continuasse a conversa cairia na fossa da angústia existencial. Agradeci e andei como quem procura sabendo que perdeu. Surpresa frustrada, eu frustrado, noite frustrada, mas apenas no começo.
(Lendo essa última frase percebi que passei a impressão de que as coisas piorariam. Meu caro leitor, ignore essa impressão.)
Algum espertinho deve estar se perguntando para que serve o celular nessas horas. Sem dúvida o celular salvaria o dia, estragaria a surpresa, mas salvaria o dia. Isso se a bateria estivesse de bom humor, o que nesses últimos tempos vem se tornando raridade. Chego em casa e telefone. Toco, toco, toco, toco e eu não quero deixar recado na caixa postal. Desisto de tocar a esmo. Idéia genial, ligo para a loja. “Hoje ela foi embora mais cedo para casa”. Isso começa a explicar, as peças vão se encaixando. Telefone de novo. Toco, toco, toco e “ela acabou de sair de casa”. Tentei, até o último minuto tentei. Deixei recado na casa e que as boas intenções me ajudem. Olho para o pijama, que não olha para mim, mas entende que chegou sua hora. Porém, eis que a sorte acena para mim na bina do meu celular: “...Sim, juro, aqui na Vila Madalena, comendo sushi no Komê Sushi”. É, esse foi um daqueles raros momentos em que a vida faz sentido. Ela não só estava no meu bairro como também comendo sushi no restaurante em que eu como! Não falei mais nada, apenas sorri sarcasticamente para o meu pijama e pedi para que ela fingisse que não tinha me avisado onde estava, uma surpresa precisava ser feita...